“Quando tudo se torna digital”, a sociedade fica mais vulnerável, avisa Cavaco

É agora o tempo de ponderar alguns atropelos e abusos na utilização das tecnologias de informação, diz o Presidente da República, alertando para a “acção criminosa de indivíduos solitários ou de organizações” e do “activismo político subversivo”.

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Cavaco vai doar parte da sua biblioteca Daniel Rocha

O aviso veio esta quarta-feira de manhã do Presidente da República: o mundo já não vive sem as tecnologias de informação e comunicação (TIC), mas, “quando tudo se torna digital”, as instituições e a sociedade em geral ficam mais “vulneráveis à acção criminosa de indivíduos solitários ou de organizações, ao activismo político subversivo, aos conflitos entre Estados soberanos.

No discurso de abertura do 25.º Congresso das Comunicações, organizado pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), Cavaco Silva defendeu que é preciso ter presente “o preço da inovação e a relação entre custos e benefícios que esta nos apresenta num mundo globalizado”. E considerou ser necessária uma “abordagem séria à segurança digital” que, mais do que um problema de natureza técnica, é também uma “questão política e de regulação”.

Afirmando ser já difícil imaginar a vida antes do aparecimento de muitas das tecnologias que hoje são de uso banal – “as novas tecnologias já não são novas”, vincou –, e reforçando que não de pode olhar para a evolução do país sem ter em conta as TIC, o Presidente considera que é agora tempo de reflectir sobre o seu impacto negativo na vida das pessoas. “É talvez agora o tempo de ponderar alguns atropelos e abusos na sua utilização”, afirmou. E acrescentou: “O que começou por gerar transparência e aproximação pode nesta fase contribuir para a opacidade, o secretismo e o afastamento.”

No congresso, que decorre esta quarta e quinta-feiras no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, Cavaco Silva defendeu que nesta “fase crítica da evolução da Europa, onde os riscos se acumulam e a incerteza cresce, são necessárias políticas que interpretem o novo modelo tecnológico e económico e que gerem confiança nos cidadãos”. Por isso, o Presidente considera que é preciso criar condições para que a regulação seja mais “eficaz” e para se garantir a “compatibilização entre a modernização do sistema produtivo, a estabilização do sistema financeiro e o reforço da coesão social”.

É deste equilíbrio difícil, contudo, que o Presidente acredita que nasçam as condições de “crescimento sustentável da Europa nas próximas décadas”, que permitirá inverter o “ciclo de crises sucessivas e de estagnação económica prolongada”.

Mais: é “essencial compatibilizar a inovação com a segurança e os direitos fundamentais”. Mas Cavaco Silva admite que, apesar da urgência, é preciso paciência, porque o ritmo das mudanças nas instituições é muito mais lento e complexo do que na ciência, na técnica e na economia.

Questões de privacidade, propriedade e segurança
“A nova era digital redefiniu, de algum modo, os conceitos de privacidade, propriedade e segurança. A noção comum de segurança nos sistemas industriais clássicos tornou-se ultrapassada, num mundo onde é praticamente impossível estabelecer perímetros de protecção em torno das actividades económicas e sociais de um país”, constatou o Presidente da República. E vincou: “A noção clássica de segurança perde significado num mundo onde grandes ou pequenas organizações podem ser vítimas de milhares de agressões de forma remota, num único dia.”

O chefe de Estado alertou para a necessidade de “acautelar o agravado risco de exclusão social” dos que não souberem ou não puderem lidar com as tecnologias. E deixou no ar algumas dúvidas, questionando se os “benefícios extraordinários” das comunicações móveis, da banda larga e das plataformas sociais contribuem, de facto, para o “desenvolvimento equitativo da sociedade e para a plenitude do desenvolvimento dos nossos filhos”; ou se os professores estarão preparados para as implicações do uso das tecnologias nos processos de aprendizagem. “Por cada vantagem que é apontada, quantas desvantagens poderão igualmente ser identificadas?”

Muita segurança foi, aliás, o que não faltou esta quarta-feira de manhã no CCB. Ao contrário de anos anteriores, todas as entradas possíveis no complexo do espaço estavam barradas por polícias e seguranças, só era permitido circular pela entrada principal e o acesso ao congresso fazia-se por uma única escadaria e porta.

Além das diversas conferências, o congresso das comunicações é também uma montra para a inovação das empresas e universidades nacionais no sector das TIC. Numa curta passagem por uma área de exposição, Cavaco Silva foi saudado por um enorme robô da marca alemã Siemens. O homem-máquina de cor cinza metal e olhos de LED azuis cumprimentou o Presidente em inglês, dançou ao som da música, gingou entre os convidados, fez sensação ao falar directamente com alguns, a quem pediu, por exemplo, para tirarem as mãos dos bolsos, e olhava de forma desconfiada à sua volta.

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