Divergências sobre papel dos governos na gestão da Internet

Primeiro dia da conferência NETmundial em São Paulo.

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NELSON ALMEIDA/AFP

O papel dos governos na gestão da Internet foi uma das questões que denunciou falta de consenso entre os participantes na conferência NETmundial, que termina esta quinta-feira em São Paulo. Durante as intervenções do primeiro dia, houve uma concordância quanto à necessidade de criar um modelo que regule a Internet de forma justa e multilateral, mas a forma como os governos podem contribuir não foi consensual.

Nnenna Nwakanma, co-fundadora do Free Software and Open Source Foundation for Africa, defendeu que “há que passar de um sistema vampirizado para um só actor num processo aberto e participativo”, numa referência indirecta à centralização do controlo da Internet nos Estados Unidos, situação que se deverá alterar no próximo ano. Em 2015, o ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), corporação que gere os endereços na Internet, deixa de estar na dependência do governo norte-americano, uma reivindicação que tem vindo a ser feita por alguns países, incluindo o Brasil que acolhe a conferência mundial.

Também a secretária de Estado francesa para as relações digitais, Axelle Lemaire, defendeu “um modelo inclusivo, justo, que recuse oligarquias e a concentração de poderes”. "A Internet é o que nos deveria unir e permitir que possamos, juntos, escolher o caminho a seguir", continuou a responsável francesa, sublinhando que a Web não deveria ser "como o Velho Oeste, onde o que vale é a lei do mais forte".

Os Estados Unidos também estiveram representados na conferência, através do conselheiro para a segurança na Internet da Casa Branca, Michael Daniel. O norte-americano reagiu a uma das questões recorrentes durante o primeiro dia do encontro em São Paulo, os casos de espionagem da Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA). "Querem usar as recentes revelações como desculpa para barrar as discussões multissectoriais", condenou Michael Daniel. “Ninguém deve duvidar do nosso empenho numa abordagem com vários actores para a governança da Internet e do nosso apoio à NETmundial”, acrescentou.

A defesa por uma governança mundial da Internet é partilhada pelos países presentes na conferência mas a forma de aí chegar sugere algumas discordâncias, como já tinha admitido o coordenador da NETmundial e secretário do Ministério de Ciência e Tecnologia brasileiro, Vírgilio Almeida. “Não temos todos a mesma opinião, mas apoiamos acções concretas”.

O vice-presidente do ICANN para a América Latina, Rodrigo de La Parra, fez a mesma análise em declarações à AFP. “É claro que o que vai ser definido [na conferência] são os princípios gerais, não vamos resolver todos os problemas, mas vamos dar uma direcção para o futuro da Internet”.

Pela Rússia esteve presente o ministro das Comunicações e Media, Nikolai Nikiforov, que insistiu na importância de os governos no controlo da web. "Os modelos multissectoriais têm de incluir governos, que são responsáveis por leis internacionais e são actores de direitos e cidadãos, têm papel na economia, segurança e estabilidade da infra-estrutura da Internet", citou o site noticioso Teletime News. Quanto ao papel desempenhado até agora pelo ICANN, o russo considerou que a organização não actua de forma a que se "implemente o princípio de igualdade aos governos".

Neutralidade da Internet
A neutralidade prevê o tratamento igualitário dos pacotes de dados, sem distinção de preços para o conteúdo. As operadoras e outras empresas online não devem discriminar utilizadores conforme os serviços ou conteúdos a que acedem, impedindo que se cobre mais a quem aceda a vídeos ou aplicações para partilha de ficheiros, por exemplo. Assim, as empresas deixam de poder propor ligações e pacotes diferenciados para aceder apenas a redes sociais ou a emails.

Para o director do Internet Engineering Task Force, Jari Arrko, "não há mais definição do conceito de distinção de tratamento de pacotes em serviços especializados".

O representante da Microsoft, Paul Mitchell, defendeu, por sua vez, que a NETmundial "não é o lugar para discutir neutralidade, porque isso é legislação nacional", como é o caso do Marco Civil da Internet, aprovado na quarta-feira pela Presidente brasileira. Para Paul Mitchell, a neutralidade "não faz sentido, pois a rede precisa de flexibilidade e capacidade de diferenciação".

O mesmo foi sustentado pelo representante da operadora norte-americana AT&T e da Câmara Internacional de Comércio, Eric Loeb. "Não há consenso em noções de neutralidade, que podem variar de país a país".

O primeiro dia do encontro contou com 1229 participantes, de 97 países. Esta quinta-feira, vão continuar as sessões de discussão sobre a definição de princípios da governança da Internet e de um roteiro para o desenvolvimento desse ecossistema. Ao final do dia, o documento de referência final será apresentado oficialmente. 

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