Os livros guardados na nuvem da Google

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O modelo proposto pela Google é mais aberto do que os até agora existentes, porque não depende nem de um formato, nem de uma tecnologia Thomas Lohnes/AFP

É num hotel chique, o Hessischer Hof, que fica mesmo em frente ao recinto onde decorre a Feira do Livro de Frankfurt, que a Google está a ter encontros com editores e jornalistas. O grupo norte-americano, que tem um projecto de digitalização, edição e comercialização de livros, aposta agora na Europa.

Luis Collado, que trabalha no escritório da Google em Madrid, recebeu o P2 com petit gâteau e café no Spigel Salon, o salão onde a Google se sediou em Frankfurt por estes dias. Aquele que é o responsável do Google Books (em português Google Livros), e que tem conduzido todos os contactos com os editores portugueses, falou com entusiasmo do que vieram anunciar nesta edição da feira: a Google Editions.

No próximo ano, em todo mundo, a Google espera mudar a maneira como compramos e lemos livros através do novo conceito de cloud publishing. Os livros em edição da Google passam a ser publicados e armazenados algures na Internet, numa "nuvem" de computadores, e depois quem os compra pode andar a lê-los em qualquer lado e em qualquer dispositivo com a ajuda de uma ligação à Internet.

"Os leitores comprarão à Google Editions o acesso online ao livro", explica Luis Collado. "O livro estará sempre nos servidores da Google e este acesso online significa que a partir de qualquer dispositivo electrónico com uma ligação à Internet as pessoas vão poder ler os livros." Esses dispositivos podem ser um computador, um ecrã de televisão com uma ligação à Internet, um e-reader, isto é, um leitor de livros electrónicos que tenha uma ligação aberta à Internet (a próxima geração destes aparelhos), ou ainda um telemóvel.

É um modelo mais aberto do que os até agora existentes (por exemplo, a leitura através do Kindle, da Amazon, ou do Reader, da Sony), porque não depende nem de um formato, nem de uma tecnologia. "Na Google queremos que cada leitor possa eleger o formato em que quer ler livros. Antigamente um leitor só podia ler livros em papel. Nos próximos dois anos um leitor poderá ler livros em papel, num e-reader ou poderá ler livros que estão na nuvem, na cloud. São mais possibilidades para que mais leitores possam descobrir, conhecer e aceder aos livros. É positivo para todos."

"Imagine as possibilidades", continua Luis Collado. "Você está no escritório, com o computador ligado à Internet e compra o livro. Vai para uma estação de metro em Lisboa, tem um iPhone com ligação 3G à Internet e tem lá também o livro. Entra no metro, desliga a ligação à Internet, mas continua a ter o seu livro. Regressa a casa liga a televisão com Internet e lá está o livro. O leitor não necessitará de ter um dispositivo só para ler livros. A nossa ideia é que a Internet funcione como o espaço comum para tudo, o resto é tecnologia", acrescenta.

"Qualquer livreiro que tenha uma livraria online vai poder vender essas Google Editions. É um sistema aberto a todos", revela Luis Collado. O pagamento será feito através do Google Checkout, um serviço da Google que permite fazer compras online utilizando o cartão de crédito. E qualquer editor - pequeno ou grande - associado à Google Editions vai poder colocar online os seus livros em formato digital. Depois a empresa norte-americana ficará com a responsabilidade de os adaptar aos dispositivos onde vão ser lidos. Será a Google a lidar com os problemas técnicos de enquadrar a leitura num ecrã de telemóvel ou numa televisão.

"Os livros que estamos a pensar vender são os livros que temos vindo a digitalizar depois dos acordos que assinámos com os editores. Estes têm que ter os direitos digitais dos livros para que possam ser vendidos na Internet e o preço dos livros será estabelecido por eles. Ainda está a ser decidido, mas é certo que a maioria dos lucros das vendas irá para os editores (63 por cento para os editores, 37 por cento para o Google)", explica.

Opções na Europa

Em Portugal, a Google está em conversações com os titulares de direitos, autores e editores para chegar a acordo com eles e digitalizar os livros e colocá-los na Internet, "uma grande janela para a promoção do livro através das novas tecnologias". Já chegou a acordo com a editora Leya, com a Princípia e com a Universidade de Coimbra. "Estamos a começar a falar com outros editores importantes em Portugal. No próximo ano temos a intenção de fazer um evento em Lisboa para apresentar a Google Livros a todo o mercado português."

Os editores, afirma Collado, têm "todo o controlo" sobre os livros que estão na Google Books. São eles que decidem qual o número de páginas que podem ser visualizadas, os países onde o livro vai estar visível. Podem decidir como querem utilizar o Google Books, se como uma ferramenta de promoção ou, no futuro, como uma ferramenta comercial.

Nesta conversa Luis Collado enfatizou que a situação do Google na Europa é diferente da dos Estados Unidos. "Na Europa só estamos a digitalizar livros que estão em domínio público ou aqueles com que já chegámos a acordo com os editores", explica.

Mas nos Estados Unidos a Google, além de estar a fazer o mesmo que está a fazer na Europa, está a digitalizar também aqueles livros com direitos mas que se encontram esgotados, descatalogados, órfãos, incluindo-os dentro do conceito jurídico de fair use. Um conceito que permite usar um produto interessante para a sociedade que o proprietário não está a usar, não está a vender, mas que outra entidade pode oferecer sem utilização comercial. Uma ideia que deixou editores e autores europeus revoltados, porque dentro deste grupo de obras podem existir algumas que não são americanas. Collado confirma. “Podem ali encontrar-se livros de autores europeus não necessariamente escritos em língua inglesa. Mas esses livros só estão visíveis online nos EUA. Embora este acordo tenha sido feito com os autores e editores americanos, o juiz americano considerou que funcionaria para qualquer titular dos direitos."

Os europeus contestaram. Os franceses tentaram que a Google pagasse uma multa em França por violação de direito de autor (não conseguiram) e a Associação de Editores e Livreiros da Alemanha pediu à Comissão Europeia que escrutinasse o projecto. Para agravar as coisas foram acusados de monopólio e o acordo Book Rights Registy que foi feito entre a Google e os editores e autores para os Estados Unidos está agora pendente de uma decisão judicial. Um juiz deu como prazo o passado dia 7 de Outubro para que qualquer entidade desse a sua opinião sobre esse assunto. Receberam 400 pareceres sobre o acordo, "muitos positivos, outros negativos", diz Luis Collado, e por isso editores e autores pediram ao juiz que alargasse o prazo para que tivessem mais tempo para fazer uma revisão do acordo. "A Google não colocou nenhum problema e agora todos vão melhorar o acordo até 9 de Novembro.

A Microsoft, a Amazon, a Yahoo deram também a sua opinião sobre o acordo. Diziam que a Google Livros podia ser um monopólio para os livros na Internet. São opiniões respeitáveis. Mas o que é irónico é que a Microsoft também tinha um projecto de digitalização de livros e a Amazon tem um projecto de digitalização de livros."

A Comissão Europeia está agora a analisar o acordo que foi feito entre a Google e os editores e autores nos Estados Unidos para ver quais as possibilidades de se fazer um acordo similar na Europa, adianta Luis Collado. Para que essas edições que têm direitos mas não estão disponíveis aos cidadãos (por estarem esgotadas, etc.) possam ser disponibilizadas na Internet.

"Mas para que isto aconteça será necessário mudar as leis europeias de propriedade intelectual e de direito de autor. Na Europa o debate ainda está no início", conclui Luis Collado.

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