Oito dias de solidão

O fado de Breached é uma premissa que só no argumento consegue manter o jogador investido, desperdiçando matéria-prima que dava para muito mais.

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Enquanto o sol empalidece os muros lá fora e as cortinas velam o peitoril, o monitor mostra o contrastante escuro de quem provavelmente vai morrer, a desolação do homem que caminha para o cadafalso digital enquanto contempla a solidão: o risco de haver uma vida vai deixar de o ser sozinha. O sol empalidece os muros, as cortinas são velas num mar morto, eu jogo Breached.

Nós somos ele, o protagonista só, o homem que acorda em 2245 quando a hibernação é suspensa. Ouve-se o líquido a esvaziar a câmara como se fosse amniótico e ei-lo renascido para a desoladora constatação que tem oxigénio suficiente para oito dias. Mãos à obra que o laço de pixéis já aperta, mãos à obra que não se saber é tóxico.

Declaradamente uma obra da ficção científica, Breached não demora muito a ser terminado e praticamente implora ao jogador que o experimente múltiplas vezes, tanto para o desfrutar depois de assimilados os processos básicos, como também para ver se há algo mais que possa ser feito para lidar com a já mencionada asfixia iminente.

Inicialmente tudo é desconhecido, ou seja, compete à narrativa do jogo mostrar-nos porque estamos naquele planeta, qual é o quadro geral em que este individuo se insere e é precisamente a fazer isso que consegue o seu ponto mais elevado, ou seja, a obra da Drama Drifters acaba por ser concluída devido à curiosidade de percebermos quem somos e, sobretudo, para descobrir o que acontece quando a data de validade expirar.

Enquanto a personagem está sentada à frente daqueles monitores vai mantendo um diário, anotando pensamentos e constatações, o que permite ao jogador ver como a narrativa se vai mutando com o passar dos dias. Certas palavras aparecem em destaque, o que permite tocar-lhe e desenvolver esse aspecto da história, explorando as ramificações da escrita que parecem mais acutilantes

Por exemplo, quando aparece escrito que “os drones são os meus olhos e mãos”, é dada a escolha de desenvolver o diário pela ramificação dos “olhos” ou das “mãos”, mais alfaiataria e menos prêt-à-porter narrativo. São incontáveis os exemplos de condicionantes, moldando e toldando ligeiramente a experiência de cada um com Breached.

Este registo é eficaz no desenvolvimento do argumento, desde que estejam dispostos à leitura, algo impreterivelmente necessário para não só conhecer o que vos rodeia, mas também para se depararem com a escrita acima da média, capaz de transmitir a urgência sem ser um chorrilho de clichés alicerçados por pretensiosismo. Directa ao assunto, instigando a passagem dos dias, desassoreando o tempo passado com o jogo, é esta a escrita da obra, é esta uma das suas declarações.

Além de escrever este jornal diário, o protagonista tem que fazer algo para entreter a ideia que a morte pode esperar. No início de cada um dos dias podemos escolher pilotar um drone à procura de recursos, podemos sintetizar combustível a partir do que recolhemos ou podemos fazer hack a cápsulas enquanto tentamos obter peças para arranjar o gerador do abrigo.

Contudo, o dia não chega para tudo, ou seja, cada acção consome uma determinada percentagem. Obviamente, cada acordar garante 100% de disponibilidade, porém, cada actividade consome entre 30% a 40%. Seguindo uma matemática simples, a nossa estadia é uma subtracção diária e a escolha do que queremos fazer a chave para o sucesso.

Além de tentar descobrir qual é a combinação de matéria-prima que dá o melhor combustível, o grande tomo de jogabilidade está na pilotagem do drone, algo que, convém mencionar, recorre a um processo simples: o botão esquerdo do rato é usado para acelerar e o botão direito para travar. E isto aliado a apontarem para a direcção a seguir. Temos ainda a indicação dos metros que faltam para chegarmos ao que devemos recolher e uma ligeira ameaça com a forma de esferas resplandecentes.

Portanto, dificilmente exigirá a alguém que empregue toda a sua destreza. Inicialmente é interessante passear por esta cenografia desoladora, mas rapidamente se percebe que não há assim tantos pontos interessantes para descobrir e que como as zonas para onde podemos enviar um drone são escassas, o factor novidade esgota-se muito antes dos oito dias.

Na verdade, depois de terminar Breached fica a sensação de ser um esboço que rodeia um argumento terminado. Tal como já escrevi, há a ânsia de querer ver o que vai acontecer, mas chegar lá traz à tona várias fragilidades, incluindo processos que falham em alicerçar a obra. Enquanto há aquela neblina de conhecer os cantos à casa, de perceber o que é que cada parâmetro faz e acrescenta ao cômputo geral, há o encanto do desconhecido. Infelizmente, com a dissipação chega uma imagem pálida.

Interface que tenta imaginar um diário digital escrito daqui a mais de 200 anos, vistas de drones na primeira pessoa por entre desertos com estruturas metálicas misteriosas, desfiladeiros, as cores vivas que destabilizam o campo magnético e a qualidade do sinal, os sons que fazem lembrar os Oms e os Draags de o O Planeta Selvagem de Laloux. Enfim, campos técnicos que fazem os mínimos para enquadrar a ficção científica. Nada de memorável, apenas competente.

Então o que fica desta exploração? O desfrutar de não saber onde estamos e para onde vamos, as oscilações de quem escreve no seu diário que “não há cura para a doença”, que é “impossível trabalhar”, que “nada melhorará”. Fica um engenho narrativo acima do ralenti. E o final? O protagonista tenta convencer-se de que é “uma simulação muito realista”, sim, o mesmo que pergunta: “O que acontecerá agora? Só quero paz”.

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