O novo mundo da TV Digital

As ameaças sobre os canais televisivos não se resolvem com novas roupagens sobre formatos televisivos de sucesso.

Todos sabemos — por experiência própria — que actualmente vemos televisão, enquanto nos entretemos simultaneamente com um computador portátil, tablet ou smartphone. Isto não significa, no entanto, que assistimos ao fim da supremacia da televisão no mundo do entretenimento. A TV é ainda o passatempo preferido dos consumidores, embora esteja a ser trocada pelo hábito de navegar na web e pela procura de vídeo streaming.

Um estudo recente da Accenture comprova que o consumo de conteúdos televisivos de curta duração continua a crescer em suportes conectados pela Internet, ao mesmo tempo que diminui nas televisões tradicionais. Um exemplo: o número de horas que os milhões de utilizadores do YouTube gastam nesta plataforma tem crescido 50% ao ano e metade delas é vista em equipamentos móveis. E outras formas de vídeo de maior duração, como séries televisivas e filmes, são também cada vez mais visionadas a partir de laptots, smartphones e tablets. Esta é uma tendência poderosa: a televisão perdeu 13% dos seus espectadores neste tipo de conteúdos no ano de 2014 e até mesmo os conteúdos desportivos perderam 10% da sua assistência nos ecrãs televisivos. A forma como vemos televisão está mesmo a mudar: 87% dos consumidores utilizam um segundo ecrã (smartphone, tablet, laptop, ebook reader ou uma consola de jogos), ao mesmo tempo que deitam um olho à TV.

Significa isto que a televisão está condenada? Embora os números confirmem a contínua migração de consumidores da televisão tradicional para outros equipamentos audiovisuais, o consumo de conteúdos televisivos não está ameaçado. Independentemente de onde os vêem, as pessoas continuam a gostar de ver formatos televisivos curtos (como videoclips musicais) e longos (notícias, desporto, séries e filmes). Isto abre uma janela de oportunidade para os canais televisivos instalados, que têm de se adaptar rapidamente às novas tendências, para não perderem as suas vantagens competitivas. Desde logo, porque os consumidores mantêm laços de maior confiança com os canais já estabelecidos do que com os operadores digitais emergentes. Mas com os consumidores a transferirem-se da televisão para outros tipos de equipamento digital, são serviços como a Amazon, YouTube e NetFlix que capitalizam as novas fórmulas tecnológicas de interacção permanente com os consumidores e que geram feedback imediato sobre o quê, quando e como estes estão a ver os seus conteúdos. Isto permite-lhes produzir valiosos dados relacionais, que são trabalhados até à exaustão para entender melhor as preferências do público e até propor-lhes outros serviços e produtos conexos.

A oportunidade para os canais televisivos está aqui: entrarem muito rapidamente também no jogo da partilha de informação (e gestão de dados) com os seus públicos. E precisam de aceder a plataformas que lhes permitam testar continuamente os seus conteúdos, respondendo às audiências com maior agilidade e intuição. O processo de decisão na indústria televisiva é, cada vez mais, em tempo real, já que cada nova ideia pode ser testada logo no seu primeiro momento de exibição — permitindo ajustes rápidos e eficazes a quem quer liderar as audiências. Para assegurarem o futuro, os canais estabelecidos devem desenvolver ou associar-se a plataformas digitais que lhes facilitem o casamento entre a arte e a ciência. A arte da criação de conteúdos de excelência, com a curadoria e experiência editorial granjeadas por décadas de know-how e a ciência da análise avançada de dados, que resultam da disponibilidade actual das audiências para partilharem, através dos novos equipamentos e plataformas, as suas opiniões sobre o que consomem. As ameaças sobre os canais televisivos não se resolvem com novas roupagens sobre formatos televisivos de sucesso, mas com uma estratégia assertiva e que responda integralmente às novas tendências no consumo de televisão.

Vice-presidente da Accenture Portugal, responsável pela área de Comunicações, Media e Tecnologia em Portugal e África

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