O filme dos videoclubes não tem um final feliz

A queda sente-se há muito e o que já foi uma indústria de massas está a tentar sobreviver como um negócio de nicho. Os casos de sucesso são a excepção

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Cineteka, um dos poucos videoclubes que resistem José Sarmento Matos
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Eram uma instituição nas décadas de 1980 e 1990. Hoje, estão perto da extinção. A associação que representa os videoclubes em Portugal tem 50 associados e, em todo o país, deverão existir cerca de 100 estabelecimentos, estima Nuno Pereira, presidente da Associação do Comércio Audiovisual, de Obras Culturais e de Entretenimento de Portugal (Acapor).

O ritmo da queda não deixa margem para dúvidas: em meados da década passada, havia 1800 videoclubes. Em 2010, eram 300. Até ao final de 2013, metade dos 100 que ainda resistem acabará provavelmente por fechar, antecipa Nuno Pereira.

A curto prazo, o sector vai ficar reduzido a escassos sobreviventes, entre os quais aqueles que conseguirem dar a volta ao modelo de negócio tradicional, considera o responsável da Acapor. “Lojas de aluguer de vídeo, daqui a dois anos, não acredito que existam. Vejo a subsistência de alguns clubes de vídeo acoplados a outro negócio. Alguns estão envolvidos noutro tipo de negócio, como papelarias”.

As causas para o declínio do sector estão identificadas há muito. Por um lado, há uma abundância de vídeos na Internet, de programas televisivos e vídeos amadores disponibilizados legalmente até aos filmes colocados online sem a autorização dos detentores de direitos. A Acapor, bem como o resto da indústria de conteúdos, há anos que faz pressão para a criação de medidas que tentem conter o download não autorizado de filmes. Mas, mesmo que fosse possível uma redução drástica dos downloads não autorizados, Nuno Pereira reconhece que o processo seria irreversível. “A esmagadora maioria [dos videoclubes] já se foi embora e não volta”.

Por outro lado, há aquilo que o director da  Federação Portuguesa de Editores de Videogramas (Fevip, entidade representante das editoras de filmes) classifica como uma “mudança de tecnologia clara”. Paulo Santos fala do aluguer digital através das plataformas dos operadores de televisão paga (em Portugal, as ofertas assentes na Internet e fora da televisão são mais limitadas do que noutros países, mas também a loja iTunes, da Apple, vende e aluga filmes, embora tenha um leque reduzido de títulos para o mercado português).

As receitas da Fevip com as vendas de filmes para os videoclubes são hoje “dez ou 15% de há cinco anos”, diz Paulo Santos, sem precisar números. Mas sublinha que as receitas que em tempos os videoclubes geraram não foram compensadas com o negócio de aluguer de filmes nos serviços televisivos. “Não há uma equivalência de transferências, o vídeo on demand não atinge esse volume”.

Nem a PT (dona do Meo) nem a Zon quiseram dar pormenores sobre os respectivos negócios de aluguer digital. A PT afirmou apenas que metade dos seus clientes usa o serviço pelo menos uma vez por ano (há dois anos tinha dito ao PÚBLICO que os utilizadores do serviço alugavam 2,3 filmes por mês). Já o relatório e contas da Zon relativo a 2012 refere o “declínio de receitas das vendas de conteúdo de vídeo doméstico”, um produto que surge englobado numa divisão de negócio que caiu 2,4% num ano.

Novos modelos
Para lá da pirataria, das plataformas digitais e, inevitavelmente, da crise, há outro fenómeno a contribuir para o fim dos videoclubes tradicionais: são as “alternativas de entretenimento à televisão, como o Facebook”, observa Gonçalo Peres, um dos três sócios da Cineteka, um videoclube no Parque das Nações, em Lisboa, que tem um modelo de negócio original e que é um exemplo de sucesso em contracorrente.

A Cineteka começou no quarto de Gonçalo Peres, com um sistema que ainda hoje se mantém: as pessoas podem encomendar filmes pela Internet e estes são enviados por correio. Em 2006, a loja física abriu. É um espaço amplo, com dois andares. Em baixo, o videoclube, que também vende posters de filmes, acesso à Internet e ainda pastilhas elásticas e chocolates (uma receita “residual”, diz Bruno Mendes, outro dos sócios – estes produtos servem apenas para completar o serviço). No piso de cima há um café, cuja exploração está entregue a outra empresa.

“O negócio principal é o aluguer de filmes”, assegura Gonçalo Peres, que explica que a Cineteka se esforça por ter filmes de cinema alternativo e títulos antigos, que apelam a muitos dos clientes que têm. Para além do modelo tradicional de aluguer, a empresa oferece a possibilidade de assinaturas mensais.

A Cineteka tem cerca de mil clientes activos por mês, metade dos quais prefere alugar na loja. Bruno Mendes e Gonçalo Peres dizem já ter visto fechar três ou quatro videoclubes só naquela zona de Lisboa, mas estão confiantes no futuro do negócio, que esteve sempre a crescer até ao primeiro trimestre de 2012, altura em que começaram a sentir uma queda ligeira.

Os dois sócios não acreditam no desaparecimento dos videoclubes, mas concedem que aquilo que outrora foi um negócio de massas está prestes a reduzir-se a uma actividade de nicho. Porém, no caso da Cineteka, Gonçalo Peres garante haver mais objectivos para além do lucro. “Sou um defensor do comércio de bairro, de lojas mais pequenas”. O modelo de negócio pode ser diferente, mas o espírito parace ser o mesmo dos videoclubes que estão agora a acabar.

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