“O campeonato do Facebook é o da televisão”

Paulo Barreto, responsável do Facebook em Portugal, diz que os telemóveis e tablets vieram aumentar muito o alcance da rede social.

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Portugueses estão, em média, 47 a 48 minutos por dia no Facebook, diz Paulo Barreto Miguel Manso

O Facebook é a rede social preferida dos utilizadores em Portugal. A missão de Paulo Barreto é torná-lo uma plataforma de preferência para os anunciantes. Nos últimos dois anos, o crescimento foi de dois dígitos e a crise não representou um problema. Numa conversa com o PÚBLICO, num hotel em Lisboa, o country manager da empresa para Portugal (tinha antes as mesmas funções no Google) diz que, na disputa pelo investimento publicitário, o Facebook quer jogar na mesma liga da televisão.

Como foi o investimento publicitário na Internet, e no Facebook em particular, nos anos de crise?
O Facebook está em Portugal, oficialmente, desde Fevereiro de 2013. Foi nessa altura que fui contratado. O meu papel divide-se em três ou quatro áreas. Garantir que continuávamos a crescer em número de utilizadores, dar apoio comercial aos grandes anunciantes portugueses... Estamos a falar de 30 clientes a quem damos apoio: as empresas de telecomunicações, os bancos, as empresas de grande consumo. Depois há uma área que tem crescido muito, que são as pequenas startups, que ganham dimensão pela expansão internacional e que têm investimentos significativos no Facebook. Outro vector foram as agências de meio e criativas. Há um último, em que estamos a trabalhar, que são os pequenos negócios, que são geridos em coordenação com a equipa de Dublin.

E como é que correram estes anos?
Bastante bem. Não lhe posso dar números, mas estamos a crescer a dois dígitos. Portugal cresce em linha com aquilo que é o crescimento global do Facebook que foi no primeiro trimestre de 42% ao ano. É normal, estamos a entrar num mercado em que não tínhamos ninguém a dar apoio. Tínhamos só o apoio aos pequenos negócios, a partir de Madrid e Dublin. Diria que a crise não se fez sentir nas nossas receitas. 

E não foi beneficiado pela crise, no sentido em que os anunciantes desinvestiram em outros meios?
Acontece em alguns casos pontuais. Temos algumas marcas que, como não têm dinheiro suficiente para investir em meios tradicionais, como a televisão, optaram por investir a totalidade do seu budget [orçamento] no digital. Mas estamos a falar de dois ou três clientes. Se o mercado publicitário estivesse a crescer, o nosso crescimento seria ainda maior.

Por quanto tempo esperam manter este ritmo de crescimento?
Acho que sempre. Estive sete anos no Google e cresci sempre a dois dígitos, e penso que esse ritmo se mantém. Os últimos números mostram que cerca de 70% das nossas receitas [globais] vêm do mobile. Há três anos eram zero. E o mobile vai ganhar cada vez mais peso e vai ser o primeiro meio por excelência, acabando por ultrapassar a televisão.

Como é que foram estes anos para o resto do mercado digital?
Há medida que os utilizadores passam cada vez mais para os meios digitais, o investimento publicitário segue os utilizadores. Há sempre um atraso entre a adopção dos meios por parte dos utilizadores e dos anunciantes. Aconteceu em todos os meios – quando se passou da rádio para a televisão, da televisão para o digital. Estamos a assistir a um grande crescimento no uso da Internet, essencialmente por via do mobile. Cada vez temos mais utilizadores ligados em smartphones e tablets. Dos 5,2 milhões de utilizadores do Facebook activos por mês [em Portugal], há quatro milhões que acedem através do mobile. No caso dos utilizadores diários, ainda é mais: há 3,8 milhões, dos quais 2,8 acedem através de mobile. Havia pessoas que não tinham acesso à tecnologia, que não dominavam o computador. Os tablets e os telefones trouxeram essas pessoas.

Qual é maior o desafio do Facebook em Portugal? Atrair anunciantes ou aumentar o envolvimento dos utilizadores?
Provavelmente 90% do meu trabalho é atrair anunciantes. Os utilizadores vêm naturalmente. Praticamente não há investimento para captar utilizadores.

E estão satisfeitos com o número de utilizadores que têm? E com o tipo de utilização, em termos de frequência de acesso e envolvimento?
Sim, sim, sim… Os utilizadores em Portugal são dos mais activos do mundo. Têm vindo a aumentar o tempo que passam no Facebook. O número está sempre a mudar, mas, em média, as pessoas estão 47 ou 48 minutos, por dia, no Facebook.

Em que altura é o pico de acesso?
A partir do meio dia temos sempre um milhão de pessoas ligadas. O auge de utilização coincide com a televisão. O prime time [horário nobre] da televisão é às 21h, 21h30, em que temos 1,7 ou 1,8 milhões de pessoas todos os dias. Não há um minuto do dia em que haja mais pessoas a ver um canal específico de televisão do que as que estão no Facebook. A última vez que me lembro de não termos tido mais pessoas do que um canal foi no Benfica-Chelsea.

Os utilizadores mais novos são um problema para vocês? Nos EUA, houve indicadores de que os adolescentes estariam a abandonar a plataforma. Em Portugal isto é uma questão?
Não é. O que verificamos a nível global é que os adolescentes são o grupo que passa mais tempo e que interage mais no Facebook. Também são os primeiros a experimentar outros serviços. A segunda rede social que mais utilizam é o Instagram, que também pertence ao Facebook. É um assunto que não nos preocupa.

Como é o uso do Instagram em Portugal?
Não posso divulgar números. O Facebook tem 1,4 mil milhões de utilizadores em todo o mundo, o Instagram tem mais de 300 milhões. Portugal está mais ou menos em linha.

Há diferenças entre o mercado espanhol e o português, sem ser a escala?
Em Espanha o mercado está um pouco mais evoluído. Outro aspecto são os níveis de investimento. A maioria dos anunciantes em Espanha já tem uma estratégia criativa para o Facebook. Em Portugal, as marcas ainda adaptam um pouco as suas campanhas do offline para o online.

Quanto é que uma grande marca gasta numa campanha no Facebook?
Depende. Temos marcas que utilizam o Facebook primeiro para gerar vendas e leads [interesse num produto ou serviço]. É um objectivo transaccional. Temos marcas que usam para gerar awarness [reconhecimento]. É aqui que entramos em concorrência com a televisão. E há marcas que o que querem é engagement [envolvimento], conversas com os clientes ou com uma base de fãs. Há marcas que são completamente transaccionais e os orçamentos são ilimitados, desde que o custo de conversão seja satisfatório. Há marcas que têm um orçamento regular na parte do engagement. Podemos estar a falar de 15 a 20 mil euros por mês E há as campanhas, os lançamentos. Isso pode ser 50 a 60 mil euros por cada campanha. Dito isto, temos clientes que investem mais de um milhão de euros por ano. 

Neste panorama publicitário, vê espaço para os portais tradicionais (em Portugal, o Sapo por exemplo) e para os sites de notícias?
Os grupos de media são provavelmente os produtores de melhor conteúdo na Internet… O que posso dizer é que o Facebook é uma plataforma. O newsfeed mostra aos utilizadores o melhor conteúdo possível e tem ajudado os jornais a fazer a ligação entre o conteúdo e os utilizadores. Em relação aos jornais individuais, o que acontece é que o tráfego está disperso, não só pelos outros jornais e pelos outros sites que surgiram, mas também por estes meios digitais, como o Facebook e o YouTube, que acabam por ter mais tráfego e um peso maior na publicidade. E as capacidades de segmentação de publicidade de um gigante tecnológico são diferentes das de um pequeno jornal local. 

Em Portugal, qual é o principal concorrente do Facebook?
Diria que o campeonato do Facebook é o da televisão. Porque o que conseguimos oferecer aos anunciantes é uma maior abrangência, superior a um canal de televisão. Às vezes as pessoas acham que estou a exagerar, mas uma pessoa, quando está a ver televisão, só está a ver um canal. Mas todas as pessoas podem estar a ver um dos canais (seja a RTP, SIC ou TVI) e estão também no Facebook ao mesmo tempo. Depois, temos ferramentas espectaculares de segmentação, seja por sexo, idade, localização, actividade, comportamento, interesse, etc. E podemos até segmentar para dados dos próprios clientes. Posso vender, por exemplo, o canal Benfica a todos os clientes de um operador de cabo que sejam benfiquistas e que ainda não tenham esse canal.

Como é que sabem se são benfiquistas e se têm ou não o canal?
Sendo clientes da operadora, ela sabe se têm ou não o canal, e essa informação é dada pelo próprio anunciante. E cruzamos essa base de dados com a base de dados do Facebook, onde se verifica se a pessoa vai muitas vezes à página do Benfica, se faz likes nessa página. Fazemos isto de uma forma agregada, sabemos que são milhares de pessoas, mas não sabemos quem é que são essas pessoas.

Têm uma equipa cá?
Não. Eu tenho um pequeno escritório, mas trabalho com as equipas de Madrid e Dublin. A maioria do meu tempo é passado em reuniões comerciais com os clientes ou a viajar para Londres, Madrid ou EUA. 

É muito diferente trabalhar no Facebook, depois do Google? O Google tem uma equipa cá...
Sim, mas são equipas muitos reduzidas, que trabalham com as equipas globais, em todo o mundo. Nós temos uma equipa em Dublin que dá apoio aos utilizadores e aos pequenos negócios, e que apoiam também a minha operação, temos equipas em Londres que dão apoio às agências criativas, há a equipa de Madrid, que é mais verticalizada – por exemplo, se eu quero um estudo sobre o sector automóvel – , e que me ajuda nesse tipo de trabalho. Em Portugal a equipa é muito reduzida, também por via do tamanho do mercado. O mercado publicitário espanhol é dez vezes maior do que o nosso.

Que tipo de informação é que tem na sua página pessoal do Facebook?
Partilho aquilo que considero relevante, e faço muito bem a distinção entre a partilha privada e a partilha pública. Se é algo que envolve as minhas filhas, por exemplo, e quero conservar a minha privacidade, apenas partilho entre os meus amigos. Se há um artigo interessante que tenha lido, faço uma partilha pública. Embora, provavelmente, já tenha partilhado algo por engano.

Quantos amigos tem?
Julgo que tenho mais de mil. Aceito todas as pessoas que conheço, ou seja, que eu vejo e que sei quem são.

Não aceita desconhecidos?
Não. Tenho dezenas de convites, mas se olhar para o nome e para fotografia da pessoa e não conhecer, não aceito.

Qual é o stock de pedidos de amizade pendentes?
Não sei… Tenho muitos… No caso do Instagram só aceito mesmo os amigos, não os conhecidos. Optei por ter algo mais privado.

Disse uma vez que as suas filhas já não enviavam emails, porque implicava reflectir...
Não sei se será por causa disso, mas o que elas dizem é que os emails são para velhos, já não se usa. Elas são muito mais imediatistas. Usam o Messenger, SMS, o Instagram Direct...

...como é que vê esse imediatismo, uma certa falta de reflexão, que, por sua vez, implica maior fragmentação da atenção?
Nunca pensei sobre isso, mas julgo que é algo preocupante, porque não se conseguem concentrar e lêem cada vez menos. Vejo isso nas minhas filhas.

Em 2008, quando ainda estava no Google, disse que o momento mais marcante da sua carreira tinha sido o MBA que tirou no MIT, Estados Unidos, e que mais do que aquilo que aprendeu o importante foi a experiência de ver o mundo de outra forma. Na altura, disse também que tinha sido um erro voltar para Portugal. Mantém esse pensamento? Em que é que a sua vida poderia ter sido diferente?
A minha geração foi a última que esteve “fechada” face ao resto do mundo. Todas as gerações mais abaixo têm experiência de Erasmus, um ano sabático, viagens, mais acesso a informação… Têm uma cabeça muito mais aberta, pensam em termos do mundo. E isso vê-se nesta nova geração de pequenos negócios, de empreendedores que estão a nascer no digital, com uma mentalidade, uma proactividade e uma visão que não se verificava na minha geração. Todos os dias vejo pequenas start-ups espalhadas por salas em Lisboa a criar negócios, fazem-no a pensar no mundo inteiro, e onde o Facebook pode ajudar. Provavelmente o que eu disse, sobre a questão dos Estados Unidos, é que teria muito mais mundo – apesar de ter trabalhado depois em multinacionais, o que me deu uma grande abrangência – e muito mais oportunidades. As oportunidades fora do país são muito maiores do que em Portugal, isso é uma realidade.

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