No Facebook há cabeças esmagadas, mas os mamilos são escondidos

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Foto: Robert Gailbraith/Reuters

Feridas profundas no corpo? “Like”. Cabeças e membros esmagados? “Like”. Imagens de mulheres a amamentar os filhos com os mamilos à mostra? “Nem pensar”. Se tivéssemos de resumir os critérios de publicação de conteúdos definidos pelo Facebook, seria mais ou menos isto: a violência explícita é tolerada, mas o sexo “it’s complicated”.

Antes de mais, a primeira surpresa: não, o Facebook não tem um departamento situado num escritório luxuoso, onde um grupo de pessoas altamente qualificadas e bem pagas se dedicam a seleccionar o que os utilizadores podem ou não publicar nos seus perfis. Quem o diz é Amine Derkaoui, um jovem marroquino de 21 anos, que contou a história ao site norte-americano Gawker, uma espécie de blogue dedicado a notícias sobre media e celebridades.

Esta é a primeira vez que são revelados os critérios em que os profissionais subcontratados pelo Facebook se baseiam para filtrar os comentários e fotografias dos utilizadores.

“É humilhante. Estão a explorar o Terceiro Mundo”, queixa-se Derkaoui, que diz ter passado uma semana a receber formação numa empresa de “outsourcing” para editar o conteúdo publicado no Facebook. Para aprender a desempenhar esta função numa rede social com mais de 800 milhões de utilizadores, Amine Derkaoui recebeu um dólar por hora (75 cêntimos de euro). A formação foi dada pela empresa oDesk, com sede na Califórnia, que presta serviços de moderação de conteúdos para gigantes como o Facebook e o Google. A sede da empresa é nos Estados Unidos, mas os candidatos a gestores de comentários e fotografias que milhões de pessoas em todo o mundo partilham na Internet não precisam de sair das suas casas, onde quer que elas se situem. No caso do Facebook, escreve o site Gawker, situam-se em países como Marrocos, Turquia, Filipinas, México e Índia e rendem a jovens como Derkaoui um dólar por hora, em turnos de quatro horas de trabalho, mais comissões. Na melhor das hipóteses, um máximo de quatro dólares por hora.

Pouco se sabia sobre todo o processo de gestão do conteúdo partilhado no Facebook, mas as declarações de Amine Derkaoui levaram a empresa de Mark Zuckerberg a emitir um comunicado sobre o assunto: “Num esforço para filtrar com rapidez e eficiência os milhões de denúncias que recebemos todos os dias, achámos necessário contratar empresas externas para classificarem uma pequena percentagem dessas denúncias. Estas empresas são submetidas a rigorosos controlos de qualidade e foi implementado um conjunto de salvaguardas para proteger os dados dos utilizadores do nosso serviço”.

O facto é que a formação de Amine Zerkaoui não acabou da melhor forma para o Facebook. O jovem marroquino trabalha agora como gestor de conteúdos na empresa Zenoradio, com sede em Nova Iorque, e trouxe consigo o até agora secreto documento em que a rede social define o que deve ou não ser autorizado nos perfis dos seus utilizadores.

De todos os gestores de conteúdo partilhado no Facebook formados pela empresa oDesk com que o site Gawker falou, apenas Zerkaoui se queixou do baixo salário, mas muitos outros dizem que a experiência é como “trabalhar num esgoto, em que é preciso limpar toda a porcaria do mundo”.

Enquanto que alguns dos moderadores de comentários e fotografias partilhados no Facebook convivem mal com o seu trabalho, outros acabam simplesmente por desistir. Um deles não ficou no posto mais do que três semanas: “Pedofilia, necrofilia, decapitações, suicídios. Despedi-me porque dou valor à minha sanidade mental”, cita o Gawker. Mas não terá sido por falta de aviso prévio. “Eles disseram antes de me terem contratado que este trabalho não é para pessoas facilmente impressionáveis. Em último caso, acho que a culpa é minha por não ter compreendido que iria ser assim tão perturbador”. Há também muitos exemplos de racismo: “O KKK (Ku Klux Klan) aparece por todos os lados”.

A principal questão parece ser a arbitrariedade na decisão do que deve ou não ser partilhado no Facebook, que resulta de uma selecção feita por jovens recrutados em países pobres, com salários de um dólar por hora. Para tentar limitar essa arbitrariedade, o Facebook definiu um conjunto de regras, as tais que foram agora reveladas por Amine Zerkaoui.

E o que é que o Facebook não quer ver nos murais dos seus utilizadores?

- “Qualquer actividade sexual evidente, mesmo que as partes íntimas estejam tapadas por mãos, peças de vestuário ou outros objectos. Desenhos animados e arte incluídos”;

- “Exposição de ’partes íntimas’, incluindo mamilos femininos e traseiros; em relação os mamilos masculinos, não há problema”;

- “Mães a amamentar sem estarem vestidas”;

E o que é que o Facebook não se importa de ver nos murais dos seus utilizadores?

- “Imagens de cabeças esmagadas, membros, etc. podem ser publicadas, desde que não sejam mostradas entranhas”;

- Feridas profundas no corpo podem ser publicadas; sangue em excesso pode ser publicado”.

As orientações para a gestão de comentários e imagens no Facebook não se resumem a conteúdos de cariz sexual ou violento e são bastante apertadas em relação a comentários de incitamento ao ódio ou racismo, por exemplo, podendo ser consultadas aqui.

No comunicado enviado pelo Facebook ao site Gawker lê-se ainda que a empresa não divulga os dados pessoais dos utilizadores que vêem os seus comentários ou fotografias removidos e garante que “todas as decisões tomadas por empresas externas são sujeitas a auditorias muito minuciosas”.

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