Digital, geolocalização e serviços móveis são cruciais na inovação

Francisco Veloso, director da Escola de Gestão e Economia da Católica, cita casos do Facebook, Airbnb, ebay e booking defendendo uma ideia: entre tradição e inovação, regulador deve desempatar.

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Francisco Veloso Helena Colaço Salazar

Os que querem inovar estão focados na sua progressão, enquanto os mercados tradicionais tentam minimizar a sua relevância quando afectados pela concorrência. Francisco Veloso, director da Católica Lisbon, diz que cabe ao regulador ter capacidade para saber se abre caminho a empresas que inovam e desafiam.

Afirmando a Uber que respeita a lei e havendo outras aplicações tecnológicas para este tipo de serviço de transporte, quais as razões para a atenção estar focada nesta empresa?
Este tipo de indústrias de plataforma tem características particulares que não estão presentes apenas nos táxis. Existe um ciclo virtuoso em que a presença de mais clientes na plataforma atrai mais fornecedores de serviços, que por sua vez atraem mais clientes, e o circulo continua até ficarem apenas no mercado uma ou duas plataformas (mercados WTA "winner take all"). Isso acontece nos cartões de crédito, com os titulares e as lojas que funcionam com cartões da Visa ou da Mastercard, nos leilões online, sendo o ebay a empresa focal, ou na oferta de alojamento, em que o booking domina cada vez mais a oferta profissional, e o Airbnb se destaca na partilha de quartos. Dada a natureza destes mercados, o desenvolvimento da Uber sugere que esta poderá ser uma das plataformas dominantes na provisão de serviços locais de transporte. Nesse sentido, é natural que a contestação esteja dirigida à empresa que está a ganhar a corrida. 

Neste choque entre uma actividade tradicional e uma que se reivindica inovadora, onde estão as diferenças e que outros exemplos existem?
Em muitos mercados com estas características WTA encontramos uma plataforma que emerge como dominante, mas tipicamente numa competição por um novo mercado ou serviço. É essa a situação do Facebook, que eliminou o Myspace, o Orkut, e o Google+, mas também o Google e o Bing que dominam o mercado da busca, tendo praticamente afastado todos os outros.

O problema ocorre quando estes mercados plataforma afectam os tradicionais, gerando custos pessoais e empresariais significativos para os incumbentes. Isso acontece com o mercado de táxi face à Uber, mas já aconteceu noutras situações. Por exemplo, o mercado das livrarias foi esmagado pela Amazon, e muitas agências de viagens quase desapareceram com a oferta online. Mas todos estes exemplos são de mercados sem entrada regulada. Quando regulada, estabelece-se a justa expectativa por parte dos incumbentes de que existirá intervenção pública no mercado regulado. A dificuldade é que, precisamente por ser inovador, o mercado não evolui de acordo com os parâmetros normais estabelecidos pelo regulador. Isso acontece com a Uber e o serviço de transporte, mas também com a Airbnb e a oferta de alojamento, que não obedece aos parâmetros regulatórios tradicionais, com a venda de micro-participações no capital de empresas através do equity crowdfunding, os empréstimos directos através de plataformas de Internet, o peer-to-peer lending, e mesmo os serviços de pagamento através de telemóveis.

Em todas estas situações, os promotores da inovação tentam activamente desenvolver o mercado para a mesma, enquanto os incumbentes tentam minimizar a sua relevância ou impedir o seu desenvolvimento por via regulatória. Isso tem acontecido no sector bancário, que tem procurado influenciar o regulador para que empresas de telemóveis não estejam autorizadas a fazer pagamentos e outras funções bancárias, ou criado dificuldades face a uma revisão regulatória que permita o equity crowdfunding. Neste sentido, a contestação dos taxistas é equivalente a muitas outras. 

Concorda com a ideia de que a realidade anda à frente da lei?
A inovação tecnológica faz com que surjam no mercado produtos para os quais a dimensão regulatória não está correctamente resolvida. Como muitas destas evoluções tecnológicas são imprevisíveis no tempo e magnitude, este atraso é inevitável, mas que urge colmatar o melhor e mais rapidamente possível. Este atraso tem acontecido em casos como o equity crowdfunding, a partilha de quartos ou pagamentos através de telemóveis. Por essa razão, será cada vez mais exigido ao regulador que esteja atento e seja capaz de ler correctamente estas evoluções tecnológicas e de mercado, e encontrar forma de acomodar aquelas que cumprem requisitos mínimos de qualidade, preço e segurança para serem comercializadas. Isto significa desenvolver uma atitude de busca de soluções e simplificações regulamentares, reduzindo e flexibilizando os requisitos de entradas para todos, incumbentes e inovadores.

Esta abordagem, sendo difícil de aceitar por parte dos governos afectados por estes movimentos, tem vingado em algumas circunstâncias. Por exemplo, foi possível com a lei do alojamento local em Portugal encontrar forma de enquadrar os pequenos prestadores de serviços, nomeadamente os activos no Airbnb. Seria igualmente possível se fosse simplificado o processo e reduzido o custo de entrada no serviço de táxi. Nesse contexto, todos os motoristas Uber poderiam ter a certificação de táxi, sendo tratados de forma análoga aos taxistas, e eliminando muitas das actuais críticas. 

Por exemplo, os hipermercados também trouxeram um serviço de intermediação. O que a Uber faz é considerado uma inovação?
A inovação é a confluência de várias tecnologias que, em conjunto, estabelecem a Uber. A inovação é o serviço de intermediação, mas também a disponibilização dos percursos a fazer pelo táxi, as revisões/feedback feito pelos outros dos condutores, o pagamento electrónico, e a forma simples e conveniente com que tudo acontece de forma integrada.  

É na mobilidade urbana que se antevê a maior pressão de mudança ou encontra isso noutras áreas?
Existem inúmeras áreas que estão a ser ou irão ser afectadas pela confluência entre digitalização, geolocalização e serviços móvel para além da mobilidade urbana. Já referi a questão da Airbnb, mas isso irá também acontecer no marketing e vendas a retalho, em que a informação de geolocalização do cliente virá a desempenhar um papel central.

Quem decide casos como este?
Quem tem que decidir é o regulador central do processo, que fará a leitura do mercado em causa, e avaliará a oportunidade e necessidade de  alterar o quadro regulador. Para a maioria das situações, esse regulador é nacional, embora por vezes funcione em articulação com instâncias comunitárias. É de esperar alguma variação nas soluções encontradas, na medida em que existem diferentes interpretações sobre as condições de entrada e manutenção de um serviço ou produto.

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