Mãe e filho nucleares

The Bunker tem um pulsar lento, capaz de afastar os jogadores antes de um último terço em que revela quem esteve atrás da cortina.

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John não é uma pessoa comum, nunca foi. O protagonista de The Bunker arranca o jogo com o seu nascimento, convidando-nos a interferir na aventura passados 30 anos, pouco depois da morte de Margaret, a mãe da personagem. Tudo isto se passa em Inglaterra, mas como o nome indicia, não há prados nem montanhas, não a tradicional chuva nem nevoeiro à vista: estamos com John num bunker, bem lá em baixo de onde os segredos nunca deviam sair.

A morte da sua mãe – cujo corpo se mantém ali apenas tapado com um lençol – é apenas mais uma estocada numa personalidade frágil que tem sido carcomida pela educação que teve. O isolamento, as condições controladas, o instigar de uma mãe com uma saia muito comprida, acabam por ditar uma relação que tanto o protege como o torna inapto. Nós, os jogadores, temos que lidar com tudo isto e com um mistério que é o tónico da obra.

Esta situação é imediatamente palpável quando a rotina continua como se o desaparecimento da sua âncora fosse traço de ficção: a preocupação com as vitaminas que têm que tomar, procurar sinais de vida no rádio, ver se os níveis de radiação estão de acordo com os parâmetros e ler histórias ao corpo da sua mãe, possivelmente a sua forma de a velar. É uma versão sombria e problemática de Buster Bluth, a personagem de Arrested Development que confunde mar com terra.

Como provavelmente adivinharam com a menção da radiação no último parágrafo, passou uma guerra nuclear pelo mundo de The Bunker. Os anos oitenta forçaram este grupo de pessoas a esconderem-se aqui em baixo, local idílico para um argumento de crime-e-suspeito desabrochar. Também não é difícil adivinhar que o procedimento de John é interrompido por anomalias, o cliché do correr mal, levando o nosso perturbado protagonista a explorar o bunker com os jogadores, tentando desenrascar-se ao longo de praticamente duas horas.

O jogo perde fôlego, mas para perceberem esta parte precisam de saber que a obra da Wales Interactive não é um videojogo nos moldes técnicos tradicionais. Em vez de um grafismo com texturas e modelagem de personagens, estamos perante uma proposta live action, ou seja, com cenários e actores reais. Apresentando-se à nossa frente como uma série ou um filme, o carimbo de videojogo é estampado com as escolhas dadas a quem tem um comando nas mãos ou os dedos pousados num teclado.

Indo buscar inspiração aos Point And Click, The Bunker permite varrer os vários cenários à procura de pontos de interacção e solicitando acções aos jogadores. Há títulos Point And Click desafiantes, pelo que este tipo de jogabilidade não é desculpa para o marasmo que pauta a obra até perto da sua conclusão. Deambulamos enquanto procuramos pistas ou um fato NBC (nuclear, biological, chemical), limpamos filtros, itens para construirmos uma tala para o nosso braço, enfim, uma lista de afazeres que é francamente limitada pelo modelo escolhido.

Num dos seus melhores momentos, somos convidados a adivinhar o código de uma porta: estudar o cenário e perceber que temos que acompanhar os botões com gradualmente menos sangue é uma mostra que nem todas as fraquezas de The Bunker podem ser atribuídas ao género. Aliás, recentemente, Her Story provocou que é possível colocar actores de carne e osso a liderar a trama e sair vitorioso. A diferença é que seu o arco narrativo e os seus processos auxiliares agarravam os jogadores e não os deixavam sentir a falta de propósito na continuação da sessão de jogo.

Isto não quer dizer que o argumento de The Bunker seja uma nódoa. Recorrendo a flashbacks vamos percebendo os pontos em que John foi moldado nesta figura frágil, e convém mencionar que o final é interessante, ainda que um pouco previsível a partir de certo momento. Contudo, este ganho chega demasiado tarde, possivelmente quando muitos jogadores já estão fartos do que foi passando diante dos seus olhos.

O elenco é liderado por Adam Brown no papel de John e por Sarah Greene como Margaret. Brown participou em O Hobbit e Greene será mais conhecida pelo seu papel em Penny Dreadful. Sem grande surpresa, é Brown que se destaca, levando o jogo às costas e oferecendo algumas cenas com uma prestação assinável, sendo plasticina a um corpo enfraquecido e confuso, ocasionalmente cheio de medo. E por falar em cenas, há uma fractura exposta que aparece graficamente e sem grande propósito. Talvez querendo ser tema de conversa; ficando-se apenas pelo gratuito.

Finalmente, sendo uma obra deste género, é impreterível que se fale da cinematografia. Não, não encontrarão o toque de Cary Joji Fukunaga, mas sim uma mescla de planos inspirados com um tom amador. O jogo foi filmado num bunker abandonado em Essex, Inglaterra, contudo, há adereços que deixam muito a desejar e acabam por quebrar a imersão. Querendo prestar-se ao terror psicológico e à edificação da tensão, o último terço parece um filme desesperado por fazer os espectadores saltarem da cadeira recorrendo a truques batidos.

Há o sentimento de tentar algo diferente, sim, mas há também uma linha transversal de ficar aquém. O carregador de pianos Adam Brown afirma-se e Sarah Greene complementa, ainda que fosse mais interessante que tivesse mais tempo de holofotes. Quem ficar até ao fim será presenteado com um final e duas escolhas possíveis, ficando pelo caminho um argumento que demora a afirmar-se, bonecos de madeira recolhidos, um desastre interno e a depuração de quem foi o culpado, de quem se esconde atrás da cortina. Pensem numa versão amadora de 10 Cloverfield Lane e estão na direcção certa.

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