“Lembro-me do que é sentir-se intimidado pelas novas tecnologias. Lembro-me do medo”

David Pogue, especialista em tecnologia, defende o fim dos comentários anónimos online.

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David Pogue DR

David Pogue, guru especialista em tecnologia do The New York Times, é um homem dos tempos modernos. Tem blogue, um site oficial, uma página no Facebook e mais de 1 milhão de seguidores no Twitter. Faz tudo: é apresentador e actor, produtor e realizador de vídeos, e até é autor de manuais da célebre colecção Para Totós. Desde 2000, publica todas as quintas-feiras, na secção de tecnologia daquele jornal norte-americano, a coluna State of the Art. Desde o lançamento do novo site, em Novembro, publicada também no PÚBLICO online. Entrevistámo-lo por email.

Desde que começou a usar a Internet, que mudança ou desenvolvimento o surpreendeu mais?
A Web 2.0 – o crescimento de sites em que os utilizadores fornecem o material. O dono do site só cria um template. Facebook, Craigslist, YouTube, Flickr – todos são histórias de sucesso da Web 2.0.

E se lhe fizesse a mesma pergunta em relação aos dispositivos móveis? Com base na sua experiência, o que podemos esperar no futuro?
Ninguém pode prever o futuro dos consumidores de tecnologia! A única coisa certa é que ainda estamos no início. As aplicações para telemóveis só têm cinco anos de idade, os tablets (finos, sem botões, do tipo do iPad) só têm três anos. Por isso, o que podemos esperar? Que sejam ainda mais finos, com baterias mais duradouras, com ecrãs com uma imagem mais definida, e que se tornem obsoletos.

Na sua opinião, o que podemos esperar da Apple? Depois de ser um líder forte nos últimos anos, pode decair no mercado dos smartphones e dos tablets, tal como lhe aconteceu com os computadores pessoais nos anos 1980 e 1990?
Ninguém sabe, e seria uma loucura apostar em qualquer dos casos. Não estou preocupado com a fatia de mercado da Apple nos telefones e tablets; a empresa está a fazer um bom trabalho ao mantê-los actualizados e desejáveis. A verdadeira questão é: sem Steve Jobs, vai a Apple inventar produtos realmente novos ou lançar versões dos que já existem? Parece-me mais provável a última hipótese.

Numa das suas crónicas, analisou o Windows 8. A Apple e a Microsoft estão a ficar cada vez mais parecidas?
Não, de maneira nenhuma. As suas filosofias são extremamente diferentes.

Não faz parte da redacção do The New York Times. Acha que isso lhe dá a oportunidade de fazer as coisas de uma maneira diferente? Considera-se um jornalista ou um crítico de tecnologia?
Dá-me a oportunidade de me ocupar com outros trabalhos. Por exemplo, é-me permitido escrever livros sobre computadores e ter rubricas em programas de TV. Habitualmente, uma pessoa da redacção tem mais restrições. Considero-me um crítico, que tem uma coluna de opinião. Tal como um crítico de cinema, um crítico literário ou de gastronomia.

E há alguma diferença em termos éticos?
Nenhuma. É suposto que os trabalhadores dos quadros e os freelancers se rejam pelas mesmas regras éticas.

No seu trabalho, tenta explicar coisas tecnologicamente complicadas a pessoas que não são especialistas. Escreveu sete livros da colecção For Dummies [Para Totós, na versão portuguesa] e está a fazer os Missing Manuals para a O’Reilly. Já disse várias vezes que é um recém-chegado ao mundo dos computadores, no sentido de que chegou a ele tarde. O facto de não ser um nativo digital, tal como os seus filhos, dá-lhe alguma vantagem?
Acredito que sim. Lembro-me do que é sentir-se intimidado pelas novas tecnologias. Lembro-me de ficar perplexo. Lembro-me do medo. Acho que isso me dá uma grande vantagem. Na brincadeira, as pessoas chamam-me techie ou geek, mas, na realidade, não sou. Nunca desfiz um computador e voltei a montá-lo. Nunca soldei nada. Nunca criei uma aplicação.
Represento o leigo, o cidadão normal. Acho que isso, para os meus livros e para a minha coluna no jornal, é uma vantagem: eu falo a língua deles [dos leitores].

Começou a escrever sobre tecnologia na MacWorld, e está no The New York Times desde Novembro de 2000. Desde aí, o que mudou na maneira como comunica com o seu público?
Os Estados Unidos da América mudaram. O diálogo online ficou mais desagradável. De alguma maneira, passou a ser OK ser um hater [utilizador hostil] online. Se eu escrever sobre alguma coisa que entra na área de alguma das “vacas sagradas” (Apple, Google ou Microsoft, por exemplo), posso esperar algumas respostas brutais de alguns dos leitores.
Como resultado disso, tenho de ser supercuidadoso – dar muitos exemplos e apresentar provas –, quando faço uma crítica positiva ou negativa relacionada com elas.

Mantém a coluna no The New York Times, um website e um blogue, está no Twitter e no Facebook, e também faz vídeos. Está sempre envolvido em múltiplas actividades: a escrever, a ser actor, a editar os vídeos, etc. O que podem os seus leitores esperar de si no futuro?
Apresento agora três mini-séries de ciência na PBS, o programa Nova, e adoro fazê-lo. Acabei de assinar um contrato para mais três séries, por isso vão ver-me muito na TV. Comecei outra vez a fazer vídeos para o site do The New York Times, depois de ter parado dois anos. Chamam-se 60 Segundos com David Pogue, e demoram exactamente um minuto. Não levam mais do que um dia a fazer.

Como é que conseguiu construir uma relação tão próxima com os seus leitores? A aventura do iPhone perdido é um dos melhores exemplos dessa relação com a sua audiência, e como a tecnologia nos pode ajudar a colaborarmos mais uns com os outros…
Essa relação não é algo que eu tenha decidido construir. Acontece, acho eu, quando partilhamos a nossa vida em casa e em família com os leitores. Falo regularmente dos meus filhos, por exemplo, e eles aparecem nos meus vídeos.

Também já disse que haters gonna hate e que os produtos tecnológicos são objecto de disputas apaixonadas. Ao mesmo tempo, o anonimato encoraja as pessoas a escreverem comentários que, se calhar, nunca teriam coragem de os fazer se estivessem a falar com a pessoa cara a cara. Como é que lida com os seus leitores mais críticos?
Como já disse antes, acho a cultura do ódio muito incómoda. Não percebo por que é que é necessária. Quando recebo um email escaldante, a destilar ódio, costumo responder: “Adoraria discutir o que escrevi na minha coluna consigo. Consideraria tentar voltar a escrever o seu email, desta vez num tom civilizado?”
É surpreendente o que acontece: quase 100% das vezes, voltam a escrever-me com um pedido de desculpas e um tom muito mais humilde. “Desculpe se soei mal-humorado”, dizem sempre.
Manifestamente, o que se passa é que as pessoas sentem-se anónimas e poderosas online. Quando percebem que alguém está do outro lado disposto a realmente ouvir o que têm para dizer, alguém que lhes presta atenção, tornam-se menos violentas.
Não percebo por que usamos pseudónimos online. Por que é que não usamos os nossos nomes verdadeiros? Por que é que a nossa reputação não nos segue na Internet como nos segue no mundo real? Eu penso que devíamos suprimir gradualmente os comentários anónimos online.

Uma das suas colunas que mais controvérsia causou foi aquela em que confessou que tinha feito um download ilegal de um livro electrónico para o seu filho. Voltaria a fazê-lo?
Eu fi-lo, e obviamente que paguei ao editor. Mas tornaria a fazê-lo. Se o editor for estúpido o suficiente para não disponibilizar o produto no formato em que as pessoas o querem ler, os leitores vão arranjar maneira de o encontrar de outra forma.

Em Agosto, fez algo que esperaríamos mais de uma celebridade: tornou pública a proposta de casamento que fez à sua namorada Nicki Dugan. Foi um passo difícil de tomar? Depois de o vídeo se ter tornado viral, explicou aos leitores do seu blogue como foi feito e mostrou que era possível fazer uma coisa parecida com pouco dinheiro. Mas perdeu alguma da sua privacidade nesse processo. Valeu a pena?
Originalmente, eu nunca tive a intenção de tornar o vídeo público. Partilhei-o com alguns amigos no Facebook, e era só isso. Mas a Nicki sentiu que eu devia publicá-lo. Tinha tido tanto trabalho a fazer o vídeo como se fosse um trailler falso de um filme – como é que eu podia impedir que as pessoas vissem como é que foi o pedido de casamento?
Claro que houve haters que não gostaram que eu o publicasse. Mas sabe que mais? Até a Madre Teresa tem haters. Jesus teria tido haters. O que nós podemos fazer é o nosso melhor, e celebrar o facto de a maior parte das pessoas aprovar o que fazemos. 

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