Há novas start-ups portuguesas a apostar nos mercados globais

Não estava no objectivo inicial da parceria com a Carnegie Mellon University, mas aconteceu: nasceram dez novas empresas até agora. E há mais candidatos a empresários a caminho dos EUA.

Foto
Tara Branstad, da Carnegie Mellon University, na Pensilvânia, diz que em Portugal as start-ups preferem contactos institucionais e apostam menos em contactos directos com investidores e potenciais clientes do que nos EUA Fernando Veludo/nFACTOS

Foi no período mais crítico da economia portuguesa que a parceria estabelecida entre as universidades portuguesas e uma congénere norte-americana, a Carnegie Mellon University (CMU, na Pensilvânia) deu os seus frutos mais inesperados: nasceram dez novas empresas (start-ups), de elevada inovação, viradas para mercados globais, que criaram mais de 100 postos de trabalho altamente qualificado. Três delas, a Feedzai, a Mambu e a Veniam, já angariaram 26,8 milhões de dólares (24,4 milhões de euros) em diversas rondas de financiamento, para desenvolverem o negócio.

A história destas dez novas start-ups ainda vai no adro, com algumas delas à procura neste preciso momento de novos trabalhadores para contratar, em Portugal e no estrangeiro, como acontece com a Feedzai e a FollowPrice. E há alguns traços comuns entre elas: são projectos empresariais na área das tecnologias da informação e comunicação e resultam de projectos de investigação desenvolvidos no âmbito desta parceria transatlântica.

“Este foi um dos resultados inesperados”, diz João Claro, director desde 2013 do programa CMU Portugal, que envolve a academia portuguesa, representada pelo Conselho de Reitores, e aquela universidade americana – classificada como a 24.ª no ranking mundial da revista Higher Times Education, publicada semanalmente em Londres e que é a principal publicação inglesa dedicada ao ensino superior.

“Se olharmos para os objectivos que estavam bem tipificados nos documentos iniciais (...) havia o objectivo de aumentar e de melhorar a qualidade da colaboração com as empresas portuguesas, porque a CMU tem um grande histórico a esse nível e é muito bem sucedida (...), mas o impacto de natureza empreendedora não era um objectivo à partida”, sublinha o mesmo responsável. Então, o que aconteceu para se obter este resultado? “Quando se cria este ecossistema fértil, em que temos internacionalização, capacitação de recursos humanos, investigação, e se combinam estes e outros elementos, passamos a ter talento, modelos a seguir, fluxos de ideias e de pessoas entre empresas e academia e estes são os ingredientes para o empreendedorismo”, responde João Claro.

Para estas e outras equipas que já passaram ou ainda vão passar pelo CMU Portugal - que volta a levar, dentro de algumas semanas, quatro equipas de empreendedores até aos EUA, para uma imersão que ajudará a consolidar uma ideia de negócio ou até mesmo a validar um produto –, o sucesso ainda não se mede por volume de facturação. São “projectos fortemente inovadores e com uma base tecnológica sofisticada, o que quer dizer que vão ter períodos de desenvolvimento e de amadurecimento, até aparecerem no mercado, a vender e a facturar com expressão”, sustenta João Claro.

Tentativa e erro
Para lá dos programas doutorais, das parcerias com empresas – que permitiram desenvolver 25 projectos de investigação destinados a lidar com questões concretas de empresas já no mercado – e das diversas outras vertentes do programa CMU Portugal, as iniciativas de apoio ao empreendedorismo têm outra componente que pode ser decisiva.

De entre elas destaca-se a iniciativa inRes (Entrepreneurship in Residence), que permite aos candidatos a novos empresários uma imersão de dois meses nos EUA. É um programa de aceleração que, além de fornecer valiosos contactos, serve mesmo como teste de validação das ideias de negócio. Tem um aliciante extra: 50 mil euros de prémio, atribuído pela Caixa Capital, a uma das quatro equipas e, num horizonte mais alargado, mais 100 mil euros, a atribuir no prémio “Caixa Empreender Award”.

A mais recente etapa de preparação do inRes aconteceu no Porto, nas instalações do INESC, com diversos especialistas, incluindo Tara Branstad, do Centro para a Transferência de Tecnologia e criação de empresas da CMU. “Uma das mensagens que lhes tentámos passar agora é a de que no mercado americano se espera que sejam assertivos nos contactos que vão fazer” – não há mulheres nestas quatro equipas. “A cultura nos EUA é um bocado diferente”, sublinha Tara Branstad.

“Julgo que em Portugal se privilegia uma abordagem por contactos mais institucionais e não tanto uma abordagem directa”, acrescenta. Cada país tem características próprias, contextos mais ou menos favoráveis e, segundo Branstad, a diferença fundamental é a de que nos EUA “há mais tolerância ao falhanço” do que em Portugal.

João Claro prefere outro ângulo: “O que nos falta é uma cultura de inovação”. “Quando estamos a falar de inovação, o falhanço não é final; quando estamos a olhar para o futuro, não conseguimos ver claramente e isto é intrínseco à inovação, sendo o outro aspecto relevante o de termos de ser capazes de lidar com isto, o que não é fácil”, defende.

Globalmente, a situação portuguesa até não parece má. Segundo o Global Entrepeneurship Monitor, um estudo mundial que avalia percepções e atitudes sobre empreendedorismo, os portugueses ficam acima da média da UE e dos EUA. Na mais recente edição – cujos dados regionais vão ser divulgados após o Verão –, foram inquiridos no planeta mais de 206 mil pessoas, com idades entre os 18 e os 64 anos, em amostras representativas. E quando questionados sobre se tencionam começar um negócio dentro de três anos, 15,8% dos portugueses disseram que sim, ao passo que nos EUA, disseram sim 12,1% – valor igual à média europeia.

Por que falham as start-ups?
Há vasta literatura académica sobre as razões que levam start-ups a falhar – e a maioria (mais de 75%) falha, dizem autores como Thomass Eisenmann, Eric Ries, Sarah Dillard ou Steve Blank. Causas mais comuns? Os fundadores desentendem-se, não conseguem concretizar a ideia, não obtêm financiamento ou o produto/serviço não tem interessados.

Frederick Lehmann, que já deu aulas de empreendedorismo nos EUA, em Lisboa e no Porto, destaca dois factores, “que estão relacionados”, para explicar por que falham os projectos: “disponibilidade de recursos e capacidade de sofrimento”.

“Quanto tempo se pode ficar sem receber salários?”, é uma questão crítica, salienta Lehmann, porque , diz, “muitos destes projectos, por mais pequenos que sejam, têm cash flows negativos nos primeiros anos”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários