Há 20 anos abria o primeiro cibercafé em Portugal

O Cyber.bica surgiu pouco depois de aparecerem os primeiros espaços em Londres ou Bruxelas. A massificação dos computadores e da Internet ditou o fim do espaço.

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Por cerca de três euros, os utilizadores podiam usar a Internet durante uma hora David Clifford

A 2 de Novembro de 1995, pelas 19h, televisões e rádios faziam directos do n.º 7 da Rua dos Duques de Bragança, em Lisboa. Abria o primeiro cibercafé em Portugal e os que já se interessavam pela ainda pouco conhecida Internet passavam a ter um espaço onde podiam navegar online por alguns escudos. Surgia o Cyber.bica.

Pouco menos de um ano depois de terem surgido os primeiros cibercafés em Londres e em Bruxelas, a zona do Chiado passou a ser a morada daquilo que era a vanguarda da tecnologia. Estava-se em 1994 e Paula Amador, Hugo de Melo e Gomes, Bruno Mendes e António João Carvalho perceberam que a Internet “poderia ser algo com futuro”, conta ao PÚBLICO Hugo Gomes. O “mais tecnólogo do grupo”, Bruno Mendes, que tinha estado no INESC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, “falava do assunto com grande entusiasmo”.

“Logo vimos a necessidade de existirem espaços para que as pessoas pudessem aceder e onde pudessem dar os primeiros passos na rede com alguém que as auxiliasse a dá-los. Alguém que explicasse o que era a rede, o que era um browser, como se navegava e para que servia a ‘mãozinha’ que aparecia no ecrã quando se passava por cima de um hiperlink", lembra Hugo Gomes. 

O grupo de amigos investiu no espaço, que no arranque contou ainda com o apoio da Telepac (da ex-Portugal Telecom), que forneceu os acessos, e da Fernandes Técnica (Papelaria Fernandes) que avançou com os computadores. “Acreditaram no projecto logo de início”, um “projecto ‘louco’”, frisa o antigo sócio do espaço, sublinhando que, “há que lembrar que em 1995 não havia a cultura das startups nem projectos fora-da-caixa que, felizmente, existe hoje”.

O Cyber.bica começou a funcionar com cinco computadores ligados à Internet e, ainda dois outros terminais que faziam demonstração de realidade virtual e novas tecnologias. Na altura, a navegação da Internet fazia-se através do Netscape, que assentava no Windows95, e através de modems de 28,8kbps.

Excursões ao café com computadores
Por cada hora de acesso à Internet eram pagos 600 escudos, actualmente cerca de 3 euros. Hugo Gomes recorda o entusiasmo que suscitou o cibercafé na abertura. “Lembro-me de literais excursões ao Cyber.bica, com autocarros de aluguer a parar à porta para descarregar centenas de pessoas que vinham conhecer um ‘café com computadores’. Mas também dos milhares de pessoas, que ao longo de dez anos, ensinámos o que era a Internet, como se navegava, como se enviavam e-mails”.

Há 20 anos e mesmo nos anos que se seguiram, os utilizadores do Cyber.bica chegavam sem nada saberem sobre Internet. “As pessoas não percebiam a lógica de computadores ligados em rede, da aparente anarquia de cada um poder ter o seu site, de poder saltar de uma página para outras, não percebiam como funcionavam os motores de busca”. E havia casos que agora podem ser considerados cómicos. “Lembro-me de um cliente que fazia pesquisas no Altavista e queria imprimir as listagens da pesquisa para depois poder visitar os sites um a um. Lembro-me de um senhor que entrou pela porta dentro a querer comprar acções da empresa Internet”.

Não há números totais de pessoas que por ali passaram. Hugo Gomes diz que por altura do sexto aniversário, sentaram-se a fazer contas e chegaram a “algo como 250 mil clientes servidos, o que dava cerca de 150 por dia”. “O espaço rapidamente se tornou local de culto das florescentes comunidades virtuais da altura, graças aos newsgroups e ao chat (IRC)”, reforça. 

Além de pesquisa e chat, o Cyber.bica realizava campeonatos de jogos online, altura em que o espaço era muito procurado. Entre os “mais emblemáticos”, Hugo Gomes realça “um do famoso jogo DOOM, e, em especial um campeonato de um jogo de Formula 1, que teve o apoio da Shell internacional”.

O Cyber.bica voltou a surpreender os clientes, quando avançou com os primeiros concertos em streaming de vídeo. Em 1999, um concerto dos Xutos & Pontapés “teve mais de cinco mil pessoas a assistir”. “O que viam era um quadradinho em movimento do tamanho de um selo, com e som de rádio a pilhas”. Além dos Xutos & Pontapés, a inciativa teve a participação de nomes Tim, Rui Reininho, João Pedro Pais ou os RAMP.

Chegado o novo milénio, os computadores começaram a entrar em casa dos portugueses e a web também. Em 2005, Hugo Gomes lembra que espaço era já quase exclusivamente frequentado por turistas que necessitavam de aceder à Internet, para receber ou enviar e-mails. “Com o aparecimento da largura de banda móvel e a massificação da Internet residencial, chegámos à conclusão que o conceito já não fazia sentido e que, como tal, não valia a pena continuar”. 

“Ficaram as memórias colectivas e a noção de ter, de alguma forma, contribuído para todo um novo mundo onde a tecnologia começava a fazer parte integrante da vida de todos nós”, resume Hugo Gomes. O site do Cyber.bica ainda existe.

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