Empresas foram a Las Vegas vender a Internet das Coisas

Electrodomésticos que aprendem os gostos dos utilizadores e carros que reconhecem o condutor pelo relógio não são ficção científica. Entre protótipos e produtos acabados, este é um futuro que já começou

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Os automóveis autónomos são um dos sectores de aplicação do conceito de Internet das Coisas David Becker/Getty Images/AFP

Este ano, a maior feira de electrónica de consumo do mundo não foi sobre um tipo de aparelho. O centro das atenções não foram computadores portáteis, como há uns anos, nem telemóveis, tablets, relógios inteligentes, impressoras 3D, drones domésticos ou sequer as enormes televisões que, edição após edição, os fabricantes fazem questão de mostrar, cada vez maiores e cada vez com mais definição.

Todos aqueles dispositivos marcaram presença na Consumer Electronic Show (CES), em Las Vegas, que terminou na sexta-feira. Este ano, porém, aquilo que muitas das grandes marcas tentaram vender aos consumidores foi um conceito: um mundo futurista em que todos os equipamentos (do fogão ao automóvel) estão ligados à Internet, podem ser controlados à distância, comunicam entre si e são dotados de alguma inteligência artificial.

O conceito chama-se Internet das Coisas (um nome provavelmente inventado quando ainda não havia preocupações de o promover junto da massa de consumidores). Foi o tema da apresentação de abertura da CES, protagonizada pela Samsung (até recentemente, a abertura era sempre feita pela Microsoft, mas, tal como a Apple e o Google, a empresa prefere agora anunciar novidades nos seus próprios eventos). “A Internet das Coisas tem a capacidade de transformar a nossa sociedade, economia e a forma como vivemos as nossas vidas", argumentou o presidente executivo da multinacional sul-coreana, Boo-Keun Yoon. “A Internet das Coisas não é sobre coisas, é sobre pessoas. Cada indivíduo está no centro do seu próprio universo tecnológico, e o universo da Internet das Coisas vai adaptar-se constantemente e mudar à medida que as pessoas se movem no seu mundo”.

Uma outra parte do discurso do executivo sul-coreano foi mais concreta. A empresa pretende que, em 2017, todas as suas televisões tenham capacidade para ligação à Internet, uma funcionalidade que se estenderá a todos os equipamentos da marca até 2020. É uma promessa significativa quando vem da empresa que é líder no mercado das televisões e no dos telemóveis, e que também fabrica vários tipos de electrodomésticos, incluindo frigoríficos e equipamentos de ar condicionado.

Ideia não é nova
A ideia de Internet das Coisas não é nova, nem ficção científica. “Foi um chavão que se criou há uns anos, para se dar nome a um conjunto de coisas que já estão a acontecer”, explica Pedro Veiga, professor de Informática na Universidade de Lisboa. “Em Portugal, um exemplo antigo é o da Via Verde”.

Os aparelhos inteligentes e ligados à Internet estão a caminhar para se tornarem uma presença quotidiana, muito embora a um ritmo mais lento do que aconteceu, por exemplo, com os smartphones afinal, poucas pessoas trocam de fogão, de sistema de ar condicionado ou de carro a cada dois ou três anos, como acontece frequentemente com os telemóveis, num ritmo de substituição que facilita a adopção de novas tecnologias.

“A massificação está relacionada com os custos e quando se atingir massa crítica, os custos vão baixar ainda mais”, antecipa Pedro Veiga. O académico aponta áreas como a domótica (aparelhos domésticos inteligentes) e a saúde (dispositivos que registam múltiplos dados relacionados com a actividade física, para depois ser analisados em aplicações) como sectores com potencial para a massificação.

Com as empresas a apresentarem catadupas de produtos e serviços para a Internet das Coisas, as estimativas dos analistas apontam para um crescimento significativo deste mercado ao longo dos próximos anos. A IDC estima que haja 28 mil milhões destes aparelhos conectados em 2020, mais do tripo dos contabilizados em 2013. A Gartner, outra analista, estimou 26 mil milhões. Por comparação, foram postos à venda no ano passado cerca de 328 milhões de smartphones em todo mundo.

Casas e carros
Muitas empresas usaram a CES para apresentar novidades na área. Uma delas foi a americana Nest, que fabrica termostatos que aprendem as preferências térmicas dos utilizadores e se regulam automaticamente. A empresa tornou-se um exemplo de sucesso no sector, depois de ter sido comprada pelo Google, há um ano, por 2700 milhões de euros.

A Nest anunciou uma parceria com a Automatic, fabricante de um assistente de condução que regista informação como gasto de combustível e percursos frequentes. Quem tiver um destes termostatos – que custam 219 euros em vários países da Europa, mas não estão disponíveis em Portugal – pode agora emparelhá-lo com o assistente da Automatic. O termóstato fica a saber quando o utilizador está a caminho de casa e liga o sistema de ar condicionado no momento necessário para que a temperatura seja a ideal à hora de chegada. Para além da comodidade, esta tecnologia, diz a empresa, é capaz de poupar energia.

Outra novidade veio da BlackBerry, a fabricante canadiana de telemóveis que caiu em desgraça e se dedica agora a serviços empresariais. Apresentou na CES aquilo a que chama uma plataforma para a Internet das Coisas. É um sistema que pretende facilitar a vida a empresas que queiram ter vários tipos de dispositivos e máquinas interligados, sejam telemóveis ou camiões.

Um dos alvos do novo produto é a indústria automóvel. As marcas estão a fabricar carros cada vez mais ligados à Internet e com mais ecrãs ao dispor dos passageiros. Tornaram-se um mercado apetecível para empresas de electrónica de consumo.

Já há alguns anos que as marcas de automóveis têm picado o ponto na CES. Nesta edição, a Mercedes conquistou atenções, ao desvendar um protótipo de um carro autónomo uma das grandes tendências da indústria –, cujo interior se assemelha a uma pequena e luxuosa sala de estar. A parte interior das portas está revestida de ecrãs capazes de responder a toques, gestos ou movimentos dos olhos.

Os automóveis autónomos são um dos sectores de aplicação do conceito de Internet das Coisas. Parte da tecnologia que permite que conduzam sozinhos assenta em fazer com que comuniquem uns com os outros (para conhecerem a posição, velocidade e trajectória respectivas), e ainda com elementos nas estradas, responsáveis por dar ao veículo dados úteis para a condução automática. 

Num outro palco da CES, a Audi mostrou os primeiros resultados de uma parceria com a LG: um relógio inteligente, que pode ser emparelhado com um automóvel e servir, por exemplo, para o destrancar o veículo quando o condutor se aproxima. Ajuda ainda a encontrar o carro quando não se sabe onde está estacionado e permite ao veículo reconhecer as preferências do ocupante, ajustando elementos como a altura do assento e a temperatura do ar condicionado. O relógio, que está em fase de protótipo, também mostra as horas.

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