Divergências sobre neutralidade e governança da Internet em São Paulo

Conferência mundial terminou no Brasil sem consensos sobre a redacção do documento final.

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Snowden esteve presente através da intervenção de oradores e de activistas Nacho Doce/Reuters

Depois de um primeiro dia em que o tema forte foi a espionagem, a NETmundial arrancou o último dia de trabalhos com mais divisões do que consensos. O adiamento do debate da questão da neutralidade da Internet foi defendido pelo sector privado norte-americano, e a exclusão do documento de referência dos casos de espionagem suscitaram muitas críticas.

Nos debates que se seguiram às intervenções do primeiro dia de conferência, alguns dos participantes criticaram a ausência no documento de uma referência a Edward Snowden, o ex-analista informático da Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) que denunciou os casos de espionagem da agência. O nome de Snowden foi incontornável na NETmundial e quando mencionado recebeu aplausos, incluindo da Presidente brasileira, Dilma Rousseff, numa indirecta à actuação dos Estados Unidos na espionagem.

Washington parece não ter gostado das abordagens e fê-lo saber através do seu conselheiro para a segurança na Internet. "Querem usar as recentes revelações como desculpa para barrar as discussões multissectoriais", condenou Michael Daniel, reforçando que “ninguém deve duvidar do empenho [dos EUA] numa abordagem com multi-actores para a governança da Internet”.

A questão de um governo multissectorial foi também um tema fracturante, com a Rússia a destacar-se pela sua posição. "Os modelos multissectoriais têm de incluir governos, que são responsáveis por leis internacionais e actores de direitos e cidadãos, têm papel na economia, segurança e estabilidade da infra-estrutura da Internet", argumentou o ministro das Comunicações e Media, Nikolai Nikiforov. Ficou ainda uma crítica ao ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), que administra endereços usados na Internet e que deverá deixar estar na dependência do Governo norte-americano em 2015. Nikiforov defendeu que o ICANN não actua de forma a que se "implemente o princípio de igualdade aos governos".

A esse respeito, a secretária de Estado francesa para as relações digitais, Axelle Lemaire, defendeu “um modelo inclusivo, justo, que recuse oligarquias e a concentração de poderes”. “[A Internet] não deve ser como o Velho Oeste, onde o que vale é a lei do mais forte".

Neutralidade fica ou sai?
A discussão da neutralidade da Internet (que defende o tráfego na rede igualitário, independentemente do tipo e origem) também não gerou consensos e na tarde de ontem continuava a dúvida se iria integrar o documento final da conferência. Representantes norte-americanos do sector privado defenderam o adiamento do debate. Paul Mitchell, pela Microsoft, disse que a conferência "não é o lugar para discutir” o tema. "[A neutralidade] não faz sentido, pois a Internet precisa de flexibilidade e capacidade de diferenciação". Eric Loeb, da norte-americana AT&T e da Câmara Internacional de Comércio, acrescentou que "não há consenso em noções de neutralidade, que podem variar de país a país", palavras idênticas às utilizadas por Robert Pepper, vice-presidente da Cisco.

No mesmo dia em que terminou a conferência soube-se que a Comissão Federal de Comunicações (FCC) pretende propor novas regras para o tráfego de dados online, numa proposta que será discutida no próximo dia 15 de Maio. Segundo a proposta, as empresas passam a poder negociar contratos com os fornecedores de banda larga desde que sejam "comercialmente sensatos". A FCC garante que os “objectivos de transparência” ficam intactos e que não haverá "qualquer discriminação irracional entre utilizadores".

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