“A nossa confusão sobre a Uber é proporcional à nossa confusão sobre a Internet”

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Evgeny Morozov, especialista bielorusso em questões políticas e sociais no progresso tecnológico e professor em Stanford, explica que até empresas como a Uber, tecnológica que se tornou um monopólio e que foi recebida sem receios pela sociedade, têm as suas fragilidades apesar do poder no mercado.

Questiona o porquê da sobrevalorização da Uber quando é apenas uma intermediária, defendendo que deveriam ser as cidades a assumir esses serviços.
Para mim, a Uber é mais do que uma simples empresa. É a personificação de um novo tipo de capitalismo conduzido por Silicon Valley. Esta nova, mais implacável forma de capitalismo acaba com o compromisso social da época anterior algumas protecções aos trabalhadores em troca de não questionar os fundamentos da economia de mercado – e propõe substituir essas protecções por um sistema baseado na reputação, onde nem os clientes nem os prestadores de serviços podem estar inteiramente certos sobre o resultado da sua troca.

Além disso temos estas empresas parasitas de Silicon Valley que oferecem muito pouco valor – são apenas um intermediário – mas graças ao seu monopólio em peças-chave da infraestrutura de informação conseguem ter benefícios. Não é preciso muita criatividade para descobrir que sim, podemos fornecer o transporte e outros serviços num só, descentralizado, de forma radicalmente diferente, mas não há nenhuma razão para que todas as vantagens tenham que ir apenas para algumas empresas.

Pessoalmente prefiro mais dinheiro público e atenção para melhorar o transporte público em vez dos táxis, mas não há nenhuma razão para que pequenas empresas não possam emergir para servir mercados específicos. Simplesmente não devem ser os únicos a construir/possuir a infraestrutura informativa que torna, em primeiro lugar, esse negócio possível.

Como se explica que alguns governos tentem encontrar soluções para o caso Uber e outros se mantenham em silêncio?
Sou cínico o suficiente para pensar que muito depende da capacidade da indústria de táxi para cooptar governos na resolução dos seus problemas (incluindo o problema global Uber). Sou da opinião de que a vida seria melhor se simplesmente tivéssemos melhor e mais transporte público; nesse sentido, não sou um fã nem de empresas de táxi ou da Uber.

Se pudéssemos fazer a transição para algum tipo barato de opção de carro autónomo como meio de transporte universal, eu estaria interessado, embora tenha a certeza que a indústria de táxi iria odiá-lo, simplesmente porque vai eliminá-la juntamente com postos de trabalho.

Não ficarei triste se a indústria de táxi desaparecer, mas a questão do emprego deve, naturalmente, ser resolvida. Mas tem que ser resolvida - talvez, através da introdução de um rendimento básico universal para todos - de forma abertamente política. Nunca encontraríamos uma solução substituindo o interesse de uma indústria (seja a indústria de táxi ou Silicon Valley) pelo interesse do público e fingir que estamos a avançar, não estamos.

É exagerado chamar a Uber uma revolução tecnológica?
Muitas das empresas de Silicon Valley, desde o Google ao Facebook, não são mais que parasitas: aproveitam os nossos comportamentos diários (como a necessidade de encontrar informação) para gerarem serviços extremamente lucrativos que mais tarde usam para converter a nossa actividade em receitas de publicidade.

Existem várias razões que podem explicar a falta de atenção crítica sobre Silicon Valley – gosto de chamar-lhe a “indústria Teflon” porque qualquer coisa que lhe seja lançada não parece ficar agarrada. A nossa confusão sobre empresas como a Uber é directamente proporcional à nossa confusão sobre a Internet e os seus vários termos e conceitos relacionados (como ciberespaço).

Passámos as últimas décadas a pensar que, de alguma forma, a Internet iria ajudar-nos a transcender as operações do capitalismo, especialmente os seus piores excessos. Acho que foi um falso vislumbre de esperança e agora estamos simplesmente a pagar os custos por uma imensa confusão ideológica.

Existem outras apps que fornecem um serviço semelhante ao da Uber e que não são contestadas. Porquê a oposição à Uber?
O seu tamanho, a sua valorização, a sua arrogância, o seu lobby agressivo, o seu CEO ultra-libertário.

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