Uma escola, três habitações sociais

Três escolas em Terras de Bouro foram transformadas em habitações sociais pela câmara. Numa delas, na freguesia de Cibões, vivem duas famílias que partilham uma horta no antigo pátio da escola.

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Maria de Araújo nunca foi à escola e não aprendeu a ler. Só que o caminho que a vida levou pô-la a viver na antiga escola primária de Gilbarbedo, o mesmo lugar onde nasceu há 55 anos, no concelho de Terras de Bouro. Até há pouco mais de um ano vivia numa casa poucos metros abaixo da escola, onde pagava “30 contos de renda, em dinheiro antigo, já com ajuda da câmara”. Tinha sido mudada temporariamente pelos serviços municipais para se proteger da chuva que entrava na sua primeira casa, onde viveu sozinha os dois filhos, hoje com 24 e 33 anos.

Por fora, é como se a escola ainda fosse escola. Ficou a placa de pedra a identificar o lugar, presa a uma das paredes exteriores, ficou uma parte do pátio coberto e toda a zona à volta da escola, em tempos utilizada como pátio para os intervalos das aulas. Por dentro, a escola foi transformada em dois apartamentos de três assoalhadas cada. As duas antigas salas de aula, com enormes janelas cheias de luz e com vista para o pátio, hoje são os quartos.

Aos fins-de-semana, Maria de Araújo ainda tem a companhia da filha de 24 anos, Helena, que estuda Engenharia Civil em Guimarães, onde fica durante a semana. O filho mais velho, Paulo, vai ser pai da quarta filha e vive no Luxemburgo para onde emigrou para trabalhar na construção civil.

Ambos fizeram o ensino primário na casa onde a mãe hoje vive. “Era aqui pertinho”, bastava-lhes subir a rua e estavam à porta da escola. “Lembro-me que o Paulo descia da escola para casa sempre a assobiar. Quando não vinha a assobiar, tinha havido problemas”, lembra a mãe. Paulo desistiu cedo da escola, mas é ele hoje que incentiva a irmã e que ajuda a mãe.

 Nova vida
Maria de Araújo trabalhou à jorna nos lugares vizinhos e até há um ano, quando se mudou, a sua única ligação à escola eram os filhos. “Só vinha às reuniões.” Foi o Inverno rigoroso de 2006 que deixou a chuva entrar na casa onde vivia. As más condições justificaram a intervenção dos serviços de acção social da câmara, mudando-a temporariamente para outra casa, até que em 2012, ainda antes do Natal, lhe entregaram as chaves da antiga escola.

Hoje Maria de Araújo reserva um quarto para quando o filho a visita com as netas, outro quarto para a filha quando vem aos fins-de-semana e outro para si. Ocupa os dias na loja social da câmara, onde tem de receber, escolher e arrumar roupas e outros materiais doados. “De manhã vou na carreira para baixo. Lá vou eu com os mocinhos todos.” Sai todos os dias por volta das oito e segue no autocarro da câmara que transporta as crianças das aldeias até à escola. É a única pessoa autorizada pela câmara a partilhar o autocarro gratuito dos alunos, de forma a garantir que consegue chegar todos os dias ao centro da vila.

João Pedro, de seis anos, sai à mesma hora e vai no autocarro com a vizinha até à escola. É um dos filhos de Ana Cristina Silva, a mãe a quem foi dado o outro apartamento da escola. É junto do muro que circunda a escola que ele e a irmã, Lara, de três anos, estacionam as bicicletas e é à volta da casa que os dois andam em círculos repetidos. É também ali no Verão que brincam na piscina insuflável que a mãe enche ou que a ajudam na horta de onde ela tira batatas, cebolas e couves.

Ana Cristina Silva, 31 anos, gostava de arranjar trabalho e não ter de passar o dia em casa a lavar e arrumar roupa, à espera que os filhos cheguem da escola. Vai relembrando isso aos serviços de acção social da câmara, mas a solução não é fácil. Enquanto nada aparece, dedica-se à horta e trabalha na terra de quem pontualmente lhe pede ajuda.

 Passo em frente
Veio da Madeira em 2008 e foi lá que ficou a família. Lembra-se que foi no dia 19 de Novembro que chegou a Gilbarbedo com o marido e o filho de um mês. “Se lá fosse agora, de certeza que já não voltava para cá.”

Foi na Madeira que conheceu o marido, lenhador, nascido em Terras de Bouro. Depois de terem o primeiro filho, decidiram deixar a ilha e ficaram a viver em casa dos sogros de Ana Cristina. Houve duas notícias nos cinco anos seguintes: primeiro, o nascimento da filha; depois, a doença prolongada do marido, a quem ela dedicou todo o tempo possível até aos últimos dias. Ficou viúva antes de fazer 30 anos. A par da situação, a câmara decidiu aproveitar a escola para alojar a mãe e os dois filhos.

As casas foram entregues com fogão, exaustor, esquentador e salamandra. Cada família teve de as mobilar com o que tinham ou lhes foi dado “As casas são propriedade da câmara, mas as senhoras pagam uma renda e pagam também as suas despesas”, aponta Liliana Machado, vereadora responsável pela acção social, educação, juventude, saúde e emprego. Transformar a escola em habitação social custou à câmara oito mil euros, utilizando mão-de-obra do município.

A ideia de transformar as escolas em casas partiu da câmara inicialmente como uma situação de emergência, perante a necessidade de alojar uma família. Hoje são três as escolas transformadas em casas para um total de quatro famílias.

No total são 24 escolas encerradas no concelho: uma delas funciona como sede da Cooperativa de Apicultores das Serras Amarela e do Gerês e outra como Centro Municipal de Valências, juntando várias actividades desde o convívio sénior, à terapia da fala ou estudo acompanhado. Com um índice de envelhecimento de 195,2 idosos por 100 jovens, Terras de Bouro procura também dar resposta às necessidades de uma população envelhecida.

Quanto às oito escolas encerradas sem utilização, Liliana Machado explica que ainda não surgiram projectos para esses edifícios e que a intenção da câmara não é transformar todas as escolas em habitação social. É essencial ter em conta o valor arquitectónico dos edifícios e a vontade das povoações e das juntas de freguesia, explica.

Quatro anos depois de ter sido fechada, a escola de Gilbarbedo voltou a ser útil, com o consenso da população e da junta de freguesia. Para a câmara, a iniciativa resolveu vários problemas de habitação. Para Maria de Araújo e Ana Cristina Silva a transformação da escola significou um novo começo.

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