Visita guiada à nova sede da PJ por debaixo da terra e quase até ao céu

Um passadiço envidraçado à prova de bala na Gomes Freire marca a transição entre o velho e o novo mundo – a fachada branca e cinzenta cujos artifícios arquitectónicos cumprem a função de dar leveza ao novo conjunto de edifícios, e a sede original da Judiciária, construída a partir de um projecto feito à medida nos anos 50 e que se manterá em funcionamento, mas sem as prometidas obras de reabilitação.

Era preciso poupar dinheiro, e entre cortar na obra nova ou sacrificar a recuperação da antiga, erguida com a mão-de-obra de reclusos, móveis e tudo, a opção foi pela segunda hipótese.

Quem entra no novo edifício, iluminado por um espaçoso átrio coberto que recebe luz directa do exterior, não imagina o mundo subterrâneo que se desenrola debaixo dos seus pés. É aqui que fica aquilo que na Judiciária é designado, numa tradução à letra, por “sala de situação” – um bunker de 300 metros quadrados com autonomia para vários dias, que tanto pode ser usado para banais videoconferências como para acompanhar operações policiais em directo a partir do terreno, graças a um painel de ecrãs instalado na parede. Poderá ser útil para resolver uma situação com reféns ou em caso de ataque terrorista.

“Não é inexpugnável. Mas tem características que lhe dão capacidade de resistência a situações de crise e de catástrofe, graças aos seus elevados níveis de segurança”, explica o director nacional adjunto da Judiciária, Pedro do Carmo. Com sistemas de filtragem e purificação do ar, a sala central do bunker é rodeada por outras dez mais pequenas, incluindo uma kitchenette. Quem quiser tomar banho depois de uma estadia mais prolongada terá, no entanto, de abandonar esta zona de alta segurança: chuveiro é coisa que aqui dentro não há.

Debaixo de terra está igualmente outra da "menina dos olhos" da Judiciária: a nova carreira de tiro, que permite usar também carabinas a uma distância de 50 metros e disparar a partir de um automóvel em circulação. O sistema de recolha de projécteis é “do melhor que há no mundo”, elogia o mesmo responsável, acrescentando mesmo existirem “poucos edifícios no mundo vocacionados para polícias de investigação criminal a incorporarem soluções tão evoluídas como este”. O laboratório de polícia científica, por exemplo, passa de 1400 para oito mil metros quadrados. Mas não recebe novos equipamentos com a mudança de instalações. “Não há nenhum salto tecnológico porque não há necessidade disso. Já estava equipado com o que existe de mais moderno”, assegura Pedro do Carmo.

Dentro do edifício, os funcionários circularão com cartões magnéticos que lhes darão acesso a zonas mais ou menos restritas, consoante os privilégios de acesso. Para entrar nalgumas áreas será necessária a impressão digital. A circulação entre os diferentes pisos é assegurada por 12 elevadores, que partem da base do complexo de edifícios e podem subir quase até ao céu – ou não tivesse um dos novos prédios hoje inaugurados, no topo do qual foi instalado um heliporto, uma das melhores vistas de Lisboa, até à Arrábida.

Pedro do Carmo diz que o local de aterragem de aeronaves não terá uso regular mas também não onerou o custo da obra, uma vez que a sua existência se revelou fundamental para reforçar a estrutura do edifício, com um grau máximo de resistência a sismos. Para que servirá? Para operações de combate ao tráfico de estupefacientes, exemplifica.

Em forma de oito, com duas alas laterais, o novo complexo tem a assinatura do atelier Saraiva + Associados mas na sua concepção participou também a Judiciária, para que nascesse o mais adaptado possível às suas necessidades especiais. “Foi construído com base numa hierarquia de recuos geométricos que diminuem o impacto” na zona envolvente, explica uma nota informativa do atelier: quem passa na Gomes Freire não se apercebe da sua real dimensão, graças ao revestimento da fachada mas também ao facto de os edifícios mais altos terem sido erguidos num plano mais recuado.

E se o combate ao crime é a sua principal função, a vertente artística também não foi descurada: igualmente na cave vai funcionar um espaço museológico com "quadros" de Paula Rego, Botero, Miró, Picasso e Chagall, entre outros artistas. Não custaram, porém, um cêntimo ao erário público: são falsificações apreendidas pelos inspectores, que nalguns casos até certificados de autenticidade tinham.

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