Veto a Cluny foi resposta dos procuradores a lei do Governo que tirou poder ao MP

Conselho Superior do Ministério Público discorda das novas regras de nomeação do representante na Eurojust. Cluny protesta que não é "um joguete" nesta guerra e que o conselho tem que cumprir a lei.

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Nuno Ferreira Santos

Com o veto a António Cluny para representar Portugal na Eurojust, o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) não se limitou a apreciar a nomeação. O órgão de disciplina e gestão do MP decidiu fazer prova de vida num contra-ataque a uma lei recente que lhe retirou poderes.

Aliás, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, considerou esta quarta-feira que o chumbo foi uma “prova clara” de que o novo sistema de nomeação “não pode funcionar”.

Confrontada com o chumbo, a Procuradora-Geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, decidiu sujeitar o nome, ainda na mesma reunião de terça-feira, a uma segunda votação, garantiram fontes do CSMP. O resultado, porém, foi o mesmo. Oito elementos abstiveram-se, três votaram contra e só dois, um deles a própria PGR, votaram a favor. A votação seguiu-se a um período de debate em que vários elementos do CSMP contestaram a lei.

Também nessa altura, alguns dos membros do conselho contestaram o modelo de votação em escrutínio secreto, considerando que prejudicaria a apresentação de uma fundamentação.Terão ainda avisado a PGR de que  seria irregular pressionar uma segunda votação. O escrutínio continuou.

O CSMP recusou autorizar a comissão de serviço a Cluny, mais do que não aprovar a sua nomeação. Mas a colocação depende da comissão de serviço. Fontes do CSMP também observaram que, de qualquer forma, nunca poderiam atestar que não havia impedimentos legais à nomeação do magistrado em causa, por a lei não elencar quais seriam esses impedimentos. Cluny discorda desta interpretação. “Os impedimentos legais estão estabelecidos no Estatuto dos Magistrados" do MP, diz.

O Ministério da Justiça (MJ) garantiu que ainda não foi informado das razões da recusa. Portugal está há mais de um ano sem representante na Eurojust – Unidade de Europeia de Cooperação Judiciária, mas, garante, não corre o risco de perder o lugar. A PGR não prestou esclarecimentos.

O CSMP não se conforma com o papel a que foi reduzido e António Cluny foi apanhado no meio da contestação à lei. “Não sou um joguete. O CSMP não pode recusar a aplicação de uma lei. Vou aguardar que me informem sobre os fundamentos da recusa”, avisa. Fontes do CSMP acreditam que o nome será novamente votado nos próximos meses, ultrapassando-se aí o impasse .

O chumbo, apurou o PÚBLICO, foi ainda um protesto pela forma como o último representante português na Eurojust, João da Silva Miguel, foi tratado. O agora procurador no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foi nomeado em 2009 para o cargo que exerceu até ao Verão de 2013. Nessa altura, foi informado pelo MJ de que a sua comissão de serviço acabara em Janeiro. Com isso perdeu o lugar de conselheiro no STJ que tinha recusado para se manter na Eurojust.

O MJ fez saber que queria que CSMP propusessse três nomes para o substituir. O CSMP insistiu na continuidade do procurador. Em Julho de 2013, surge o anteprojecto de uma proposta de lei que alterou a forma de escolha do magistrado para a Eurojust.

A proposta, que passou a lei em Abril, convoca o CSMP a dizer apenas se há ou não impedimentos legais à nomeação do representante na Eurojust. É a PGR quem propõe três magistrados dos quais os ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Justiça escolhem um. Antes, a PGR proponha um procurador e o Governo, concordando, pedia autorização ao CSMP.

Joana Marques Vidal já manifestara dúvidas sobre a constitucionalidade da lei. No CSMP muitos acreditam que a lei não só  fere a autonomia do MP como coloca também em causa a separação de poderes. Isto, porque, defendem, o cargo na Eurojust é de natureza judicial, e não política.

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