Vendem-se passados

A nossa especialidade é a saudade do que não aconteceu (sobretudo do que ainda não aconteceu e do que provavelmente jamais acontecerá).

No Observer, Tim Adams conta que há psicólogos que acham que faz bem viver no passado: é melhor ter saudades do que já não existe do que ter de enfrentar um presente fatela, para não falar num futuro pior ainda.

Para um português, nada disto será novidade. Por outro lado, se esta terapia nostálgica pega, pode ser que nós, portugueses, com o nosso estonteante know how dos mecanismos e dos processos da saudade, possamos ser convidados a molhar as patinhas no mel.

Agora, que já não há terras para descobrir por via marítima (já não há há algum tempo, mas ainda falamos assim, q.e.d.), é altura de começar com a cartografia das nossas almas. Quem melhor do que nós poderia produzir mapas para navegar as várias saudades ao dispor de cada um?

A nossa especialidade, claro, é a saudade do que não aconteceu (sobretudo do que ainda não aconteceu e do que provavelmente jamais acontecerá). As lições podem começar com os exercícios mais fáceis, como as saudades do que não aconteceu exactamente assim como dizemos e depois, um pouco mais tarde, como sentimos.

Não havia tantas árvores, os dias eram mais curtos, não éramos tão novos nem tão felizes, ele ou ela não era bem assim, para não falar na utilidade do esquecimento dos sapos, sopapos e guardanapos de papel.

Para a nostalgia ser bem feita é preciso, primeiro, fabricar-se um passado à altura. É essa a especialidade portuguesa e não há razão para não a partilharmos com o mundo. Se é isso que o mundo quer.

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