Universidades suspendem colaboração com tutela por divergências sobre orçamento

Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas diz que aos 30 milhões que estavam em falta é preciso somar agora 55 milhões que decorrem do chumbo do Tribunal Constitucional.

Foto
António Rendas chegou a ameaçar demitir-se do CRUP se o Governo não repuser a verba Nuno Ferreira Santos

Quase sete meses depois de dado o primeiro alerta, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) decidiu suspender a colaboração com o ministério de Nuno Crato na reforma do financiamento do ensino superior. Em causa estão as divergências entre as universidades e a tutela no que diz respeito a um corte de 30 milhões de euros referente ao Orçamento do Estado para este ano – uma situação que foi agravada com o recente chumbo do Tribunal Constitucional às reduções salariais previstas para 2014 e que segundo as instituições implica um acréscimo de mais de 55 milhões de euros nas facturas dos estabelecimentos, adiantou ao PÚBLICO o presidente do CRUP, António Rendas.

A decisão do CRUP foi tomada numa reunião plenária que decorreu nesta terça-feira na Universidade de Évora e da qual saiu um comunicado em que os reitores lamentam que o Governo seja “extremamente célere a fazer cortes nas dotações orçamentais resultantes de alterações legislativas, mas incompreensivelmente silencioso quando se verificam modificações de sentido contrário”. O CRUP manifesta-se ainda preocupado com a “deterioração do enquadramento do ensino superior com riscos de graves perturbações no seu funcionamento, desde logo na preparação do próximo ano lectivo”. António Rendas fala mesmo num “silêncio ensurdecedor” e alerta para as fortes dificuldades financeiras que as universidades vão ter já a partir de Julho para pagar salários e restantes despesas.

Assim, o CRUP suspende a sua participação no processo de revisão do financiamento do sector “até haver uma clarificação da dotação orçamental para o corrente ano, a qual deverá servir de base à preparação do orçamento de 2015”. A ideia principal da reforma, segundo as linhas gerais apresentadas pelo Governo, é que o financiamento das universidades e politécnicos, em vez de considerar apenas o número de alunos, passe a premiar as instituições pela qualidade da formação ou pela transferência de conhecimento para o tecido económico ou cultural. Ora para António Rendas “não faz qualquer sentido planear 2015 quando ainda não se sabe com o que se conta para 2014” e apela, em nome da qualidade, a que “o reforço seja rigoroso e que exista uma política clara sobre o valor destas instituições que são um motor de desenvolvimento”.

Os reitores criticam com esta tomada de posição o facto de o Ministério da Educação e Ciência não ter ainda devolvido, através de um orçamento rectificativo, os 30 milhões de euros que consideram ter sido retirados a mais e que denunciaram logo em Novembro. Isto porque o corte de verbas para toda a estrutura do Estado foi na ordem dos 6,5% e nas universidades o corte médio chegou quase aos 9%, tendo as instituições recebido menos cerca de 62 milhões de euros, quando asseguram que a quebra deveria ser apenas de metade.

Os 30 milhões têm provocado várias trocas de declarações entre o presidente do CRUP, António Rendas, e a tutela. O também reitor da Universidade Nova de Lisboa chegou mesmo ameaçar demitir-se do cargo no CRUP se até Março o valor em falta não fosse transferido e depois do ministro Nuno Crato ter dito que apenas devolveriam a verba a instituições em dificuldade financeira. Mas perante uma carta do secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, em como o assunto estaria a ser tratado, Rendas decidiu manter-se no lugar. Questionado sobre o motivo de continuar a aguardar, o reitor justificou que está a agir de “boa-fé”. “A posição do CRUP tem sido no sentido de manter a viabilidade das instituições e não de gerar barulho”, acrescentou.

A juntar a esta situação, o CRUP lamenta, ainda, a ausência de reacção por parte da tutela ao recente chumbo do Tribunal Constitucional a três medidas inscritas no Orçamento do Estado para este ano. Uma das medidas, que diz respeito às reduções salariais da função pública acima dos 675 euros, tem implicações directas no pagamento dos vencimentos, estimando o CRUP que a reposição implique uma despesa de 55 milhões de euros.

“Continuando a aguardar a transferência dos 30 milhões de euros que o Governo reconheceu, no passado mês de Novembro, estarem em falta no orçamento do ano corrente, as universidades públicas estão agora confrontadas com as obrigações legais resultantes do recente Acórdão do Tribunal Constitucional que vem exigir uma componente adicional de financiamento totalmente distinta e diferenciada daquela”, lê-se no comunicado. O CRUP justifica que perante estas falhas orçamentais não faz sentido continuar a sua colaboração no processo de revisão da fórmula de financiamento do ensino superior e que alerta que “asfixiar, na autonomia e no financiamento, as universidades portuguesas compromete irremediavelmente esse desígnio nacional” de apostar na “economia baseada no conhecimento”.

O PÚBLICO contactou o Ministério da Educação e Ciência para uma reacção à posição do CRUP, mas até ao momento não obteve resposta.

Ao todo, nos últimos três anos, desde que os orçamentos do Estado contemplam as medidas previstas no memorando de entendimento com a troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu), as universidades e politécnicos já perderam mais de 260 milhões de euros em dotações – o que fez com que o investimento público directo no sector do ensino superior caísse para menos de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Sugerir correcção
Comentar