Universidades não querem perder o rasto aos ex-alunos e trabalham para isso

São olhados como embaixadores, um activo que não se copia, um valioso património. São os antigos alunos que as faculdades querem manter por perto e, por isso, desdobram-se em iniciativas, contactos. Alguns dos desafios desta relação são discutidos esta sexta-feira, no Porto.

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O gabinete do antigo aluno da Universidade do Porto gere base de contactos, trata da comunicação, dos e-mails e divulga iniciativas RICARDO CASTELO/NFACTOS

Um curso não termina com um diploma na parede. As portas das universidades continuam abertas para os antigos alunos, esses embaixadores de excelência aqui ou pelo mundo. Por isso, trabalha-se, investe-se em portais, divulgam-se iniciativas, promovem-se conferências e encontros, olha-se para as plataformas digitais e redes sociais como aliados recursos. Na ligação das universidades aos ex-alunos há ideias para partilhar, experiências para contar, informações a dar. E há mais uma oportunidade na agenda. O 2.º Encontro Nacional de Redes de Antigos Estudantes acontece esta sexta-feira, na Biblioteca do Fundo Antigo da Reitoria da Universidade do Porto, e debruça-se sobre as estratégias comunicacionais e o impacto das redes digitais na interacção com os ex-alunos.

Durante o dia, a partir das 9h30, analisam-se formas de tirar proveito das páginas universitárias no Linkedin e fala-se em estratégias de comunicação no relacionamento com os alumni, plural de alumnus, alunos licenciados ou antigos alunos de uma universidade. Os dados estão lançados e há mudanças e desafios para debater até porque o potencial dos sites corporativos e portais institucionais já não chega. Os ex-alunos procuram informação, interacção e a possibilidade de criarem os seus próprios conteúdos. E, portanto, é preciso estar atento.

A Universidade do Porto pensa nesses temas, reconhece que os antigos estudantes são importantes e não se fica pela rama. Está atenta aos pormenores para não quebrar essa ligação que poderia acabar depois de passar diplomas. Tem um gabinete a funcionar desde 2006, que há cerca de um ano teve um novo impulso, uma base de dados com 90 mil registos que poderá chegar aos 120 mil dentro de um ou dois anos – e o Linkedin poderá ser uma boa ajuda –, uma revista bianual que no último número, em Agosto deste ano, conta o percurso do designer Eduardo Aires e entrevista o arquitecto Nuno Portas. Tem uma newsletter semanal que envia por email e benefícios que podem ser descontos em cursos, serviços na universidade ou em entidades parceiras. Tem um portal que funciona como ponto de encontro e que disponibiliza vários conteúdos para que o contacto com a alma mater não se quebre: apoio na empregabilidade, aconselhamento especializado na transição para o mundo do trabalho, informações para quem quer ser empreendedor, informações para prosseguir estudos, eventos para participar, como encontrar um colega, entre outras possibilidades.

Os antigos alunos também podem ser voluntários em actividades de mentoring, programas de divulgação e iniciativas de representação em Portugal e no mundo. Numa espécie de álbum de recordações, o portal mostra momentos importantes e disponibiliza uma galeria de “Alumni ilustres”, onde surgem nomes como Graça Morais, Siza Vieira, Souto Moura, Sobrinho Simões, João Botelho, Belmiro de Azevedo, Daniel Serrão, Nuno Grande, Jaime Cortesão, Júlio Resende, entre outros.

O passado não é para esquecer, o futuro está à porta. Ideias não faltam para os próximos tempos: um concurso de vídeos de um minuto que têm de terminar com a frase “Eu sou UPorto” em português, inglês, francês, ou em qualquer outra língua; um ciclo de encontros alumni a partir de Janeiro do próximo ano; mensagens para relembrar a cada antigo aluno a data em que acabou o curso; apostar numa política de antigos alunos quando são finalistas e não apenas quando se vão embora. E se criar uma rede de embaixadores alumni espalhados pelo mundo é um objectivo, já há encontros marcados e o próximo acontece a 27 de Novembro em Genebra, na Suíça, com alguns portugueses que estudaram na universidade.

Carlos Brito, pró-reitor da Universidade do Porto e responsável pelo Gabinete Alumni, admite que uma organização onde trabalham 5 mil pessoas, onde estudam 32 mil, que atrai cerca de 4 mil alunos estrangeiros por ano, que tem a “maior presença a nível nacional no Facebook” e é a universidade “europeia com maior presença no Instagram”, tem imensas responsabilidades. Os ex-alunos são uma delas. “Queremos que os nossos antigos alunos sintam que a universidade trata cada um de uma forma única e especial. Mais do que uma relação individual com os antigos alunos, é importante que sintam que fazem parte de uma tribo, de um clube, de uma comunidade de partilha”, refere. E essa ligação é importante de dois pontos de vista: estratégico e prático. “Os antigos alunos são o activo mais distintivo e mais difícil de copiar de qualquer universidade. Se tivermos dinheiro, fazemos uma nova universidade, um novo auditório. A única coisa que não podemos arranjar de um dia para o outro são os antigos alunos porque eles fazem parte da história. E fazer parte da história é um activo brutal para uma casa como uma universidade, é o activo que não se consegue copiar”, reforça. Em termos práticos, os antigos alunos são prescritores, podem ser financiadores, mecenas, opinion makers, gente que influencia. “Não se trata apenas de estreitar o relacionamento com cada um, mas fazer com que todos se sintam que pertencem a uma mesma tribo”.

Envolver é importante, aproximar é fundamental, acompanhar os tempos uma obrigação. Não se pode fechar o olho. “O valor acrescentado de um gabinete alumni hoje não é o mesmo que era há 10 anos, as pessoas têm de perceber que ganham alguma coisa”, refere. “Queremos que as pessoas sintam que podem contribuir, cocriar valor em conjunto connosco”. “Os antigos alunos são demasiado importantes para a sua gestão estar exclusivamente nas suas mãos, têm de estar nas mãos das universidades”, acrescenta Carlos Brito.

Não há apenas números das listas dos serviços administrativos académicos, há nomes. O Gabinete Alumni da Universidade do Porto funciona numa sala no quarto piso da reitoria. O compartimento é pequeno, tem estantes, uma mesa. Numa das secretárias está Maria Clara Martins, coordenadora do gabinete, que destaca a importância de manter a ligação entre os que ficam e os que saem, de alimentar o espírito de unidade, de pertença à universidade. Os antigos alunos são especiais.  “São um público-alvo é muito importante”, diz. Tanto assim é que, este ano, o trabalho começou antes de se passar diplomas. “Criámos uma relação com os alunos ainda antes de terminarem o curso. Vamos ao encontro deles, não estamos à espera que venham ter connosco”, refere. E o trabalho não dá tréguas. Gerir base de contactos, tratar da comunicação, dos emails, divulgar iniciativas. “É um trabalho contínuo e é um trabalho feito em equipa”.

Camilo Baptista, engenheiro químico, com diploma da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, veste “com muito orgulho” a camisola da instituição de ensino superior, de onde saiu em 1996. Esse orgulho salta à vista. Enquanto estudante, fez parte da tuna e do grupo de fados. Agora, sem estar lá dentro, faz questão de acompanhar o que se passa, seja através das notícias que vai lendo nos jornais, seja através de colegas que estão ligados a projectos de investigação da faculdade. Na altura da Queima das Fitas, tenta não faltar às iniciativas que acontecem no coliseu da Invicta. Recebe a revista da universidade, sente que a relação permanece. “Sentimos esse apoio e a universidade deve pugnar, cada vez mais, por desenvolver essa proximidade com quem esteve na instituição”, defende. “Os antigos alunos acabam por ser também veículos de divulgação e potenciadores de novos estudantes”, acrescenta. Camilo Baptista olha para a Universidade do Porto como “um motor da própria cidade”, graças a seu “dinamismo” que transparece em vários níveis. E também isso é motivo de orgulho.

Pedro Cadavez tirou o curso de Direito na Universidade do Porto. Entrou em 2008, terminou em 2012, seguiu para o mestrado na mesma área e na mesma faculdade, praticamente não chegou a pôr o pé fora da instituição. É, na verdade, um antigo aluno que regressou e que conhece de perto o trabalho feito no gabinete. Veste a camisola sempre que necessário, participa em várias iniciativas e percebe o peso que uma identidade académica pode ter. Fala em “sentimento de pertença” e numa segunda casa. “É importante haver um lugar para os antigos alunos - que, no limite, até podem financiar alguns projectos – ter um sítio onde voltar. Não é só a questão de tirar um curso, a educação é para toda a vida”, afirma.

“Uma ligação natural”
O GASP - Gabinete Alumni e Saídas Profissionais da Universidade do Algarve tem também vários projectos e uma base de dados que andará pelos 35 mil alumni. No próximo mês, antigos alunos prestam o seu testemunho e partilham experiências com os actuais estudantes da faculdade. No próximo ano, será organizada uma feira de emprego e os ex-alunos serão convidados a participar. A ideia de criar o Prémio Alumni, para distinguir antigos alunos que tenham reconhecido mérito em diferentes áreas, anda a ser pensada. O primeiro encontro dos alumni está marcado para Março do próximo ano. Ilda Pedro, coordenadora do GASP, que está sob alçada da vice-reitoria, revela que esse encontro de ex-alunos terá uma costela solidária. Pretende-se criar um fundo social para ajudar alguns alunos que estejam em dificuldades financeiras.

O GASP mantém todos informados, trata da divulgação de ofertas de emprego e propostas de formação, divulga workshops, tem um site com testemunhos de quem ali estudou, um espaço reservado a saídas profissionais para ajudar os diplomados na procura do primeiro emprego. E entretanto criou o cartão Alumni UALg que estende os benefícios protocolados com vários parceiros – ginásios, restaurantes, cabeleireiros, entre outros – aos ex-alunos que assim usufruem de descontos tal como os actuais estudantes.

A ligação também se faz através dos mentores alumni, antigos alunos que acompanham o percurso até cinco estudantes. “Um mentor alumni não é um explicador, não é um professor. Um mentor é uma referência, alguém que conhece a casa e que vai dando orientações”, esclarece Ilda Pedro. "Os antigos alunos são nossos parceiros, são os nossos melhores embaixadores, e esta ligação é natural”, garante a responsável. Continuam, de certa forma, a fazer parte da comunidade académica”. “É um activo que a universidade não deixa de ter”.

Hugo Brites, coordenador de Marketing do Zoo Marine, sabe o que isso é. Veste a camisola da Universidade do Algarve onde tirou o curso de Gestão. Essa camisola é quase uma segunda pele. Terminou a licenciatura em 2004, mas a relação mantém-se. Tem o cartão Alumni UALg, está inscrito para ser mentor. “A ligação nunca deixou de existir”, refere. Participa em actividades, em seminários que a universidade promove. E destaca essa ligação permanente e frutífera entre o meio académico e mundo empresarial, a realização de estágios, os assuntos abordados em vários encontros. “A universidade tem um espírito muito jovem e muito dinâmico”, garante.

A Universidade do Minho tem um gabinete dedicado aos antigos alunos que está atento a diversas necessidades para tentar dar resposta em várias áreas, desde a integração no mercado de trabalho, às ofertas de emprego, às formações extracurriculares, aos apoios a ideias de negócio. No portal, contam-se percursos acompanhados de fotos de quem ali estudou, partilham-se histórias de quem se formou, de quem está a dar cartas lá fora, divulgam-se eventos passados e futuros – e um deles contou com a vice-presidente da NASA. Há também uma newsletter trimestral com conteúdos específicos para os ex-alunos onde se integram projectos de investigação e empresariais. Tudo conta para manter essa ligação e o gabinete, que existe desde 2007 e foi redinamizado em 2014, tem uma base de contactos com cerca de 60 mil alunos que frequentaram a instituição. Luís Rodrigues, responsável pelo gabinete Alumni da Universidade do Minho, garante que os encontros dos antigos alunos são bastante participados – num deles contaram-se 600 pessoas. “Preservamos essa ligação, procuramos dar resposta às mais variadas expectativas”, realça, sublinhando que não há qualquer dúvida de que os ex-alunos da universidade são os principais embaixadores da organização e referências que atestam o sucesso da academia. Um dos objectivos do gabinete é precisamente reactivar laços com a universidade, com antigos colegas, com os atuais estudantes. “Não só a universidade se revê nos seus antigos alunos, como procura destacar todo o trabalho que têm desenvolvido”, realça.

Ana Francisco Monteiro faz parte da casa, ou seja, da Universidade do Minho. Licenciou-se, doutorou-se e agora tem uma bolsa de Gestão, Ciência e Tecnologia que lhe permite dar apoio na área de investigação. Tem o cartão de associação de antigos alunos, que lhe concede vários benefícios, mas não tem o hábito de participar nas iniciativas pensadas para os ex-alunos. Reconhece a importância de manter acesa a ligação entre quem parte e quem fica e realça o trabalho feito na aproximação ao mercado de trabalho. “A universidade sente alguma responsabilidade no futuro profissional dos alunos, dadas as dificuldades que existem”, constata.

No Instituto Superior Técnico (IST) o Projecto Alumni ganhou fôlego no centenário da instituição, a 23 de Maio de 2011. O dia aberto para antigos alunos foi o pontapé de saída e depois disso nunca mais se parou. Além de um portal, com várias informações e onde se pretende reestabelecer contactos, os ex-alunos, uma vez por semestre, são convidados a tomar o pequeno-almoço com os actuais estudantes para trocar impressões e podem ainda participar no Pitch Bootcamp@Técnico para dar conselhos de carreira. Há ainda jantares e encontros em que antigos colegas fazem questão de partilhar experiências – António Guterres e Carlos Moedas, por exemplo, já ali estiveram como ex-alunos.

E não é tudo. O Projecto Alumni disponibiliza recursos humanos para organizar aniversários de cursos e para fazer visitas guiadas no sentido de dar a conhecer o que é hoje o Técnico. Na base de dados, estão cerca de 35 mil antigos alunos, mas querem-se mais e as plataformas digitais podem dar uma grande ajuda. “Não faz sentido uma escola sem antigos alunos, eles são os donos da casa, quem faz a escola”, comenta Luís Caldas de Oliveira, que está por dentro do Projecto Alumni do IST e que é vice-presidente de uma associação de antigos alunos que tem um fundo solidário para apoiar alunos que não conseguem pagar propinas.

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