Um severo Inverno demográfico

Um Estado que não investe no bem-estar das famílias e na equidade social não pode, a médio prazo, ambicionar um desenvolvimento sustentável

Em Portugal, no primeiro semestre deste ano – e em relação ao mesmo período de 2012 – registou-se uma diminuição de quase quatro mil nascimentos. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), entre janeiro e junho deste ano registaram-se 39.913 nascimentos, ou seja, menos 3968 nascimentos do que em igual período do ano passado. Em 2012 registaram-se menos de 90 mil nascimentos e em 2013 estima-se – atendendo à queda verificada no 1.º semestre – que a situação se agrave, ficando o número de nascimentos abaixo dos 80 mil.

De acordo com dados do Eurostat, em 2010 a média europeia relativa ao índice de fecundidade (número de filhos por mulher) situou-se em 1,59 filhos por mulher – com países como a Irlanda ou a França, respetivamente, a registar 2,07 e 2,03 filhos por mulher e Portugal 1,37 filhos por mulher. Mas em 2012, de acordo com o INE, o índice de fecundidade decresceu já para os 1,28 filhos por mulher. Uma redução muito preocupante porque um valor baixíssimo e muito longe do valor mínimo para a renovação da população (2,1 filhos por mulher).

O nosso país encontra-se extremamente envelhecido, prevendo-se mesmo que se acentue, considerando o aumento do número de idosos e a diminuição da população jovem e em idade ativa. Por exemplo, de acordo com dados recentemente divulgados pelo INE a proporção de jovens passou de 14,9%, em 2011, para 14,8%, em 2012 e a população em idade ativa de 66% para 65,8%; já a proporção de idosos com 65 ou mais anos aumentou de 19% para 19,4%.

Ora este Inverno demográfico – que se explica por diversas razões – terá significativas consequências na sociedade e na economia portuguesa. O impacto da crise financeira internacional na economia portuguesa e, sobretudo, no desemprego será, pelo menos, parte para a explicação para esta redução. De facto, as severas medidas de austeridade adotadas desde 2011 – em particular o forte aumento da carga fiscal – agravaram a situação financeira de muitas famílias, reduzindo o rendimento disponível. Mas a progressiva reconfiguração do mercado de trabalho em Portugal, com o aumento proporcional dos vínculos laborais provisórios – contratos de trabalho a termo e de trabalho temporário – serão também outras das principais razões.

Assim, ante o atual conjunto de políticas de severa austeridade e as recentes alterações ao Código do Trabalho (designadamente reduzindo as compensações por cessação do contrato de trabalho) estima-se que se intensifique a destruição de emprego permanente, que tende a ser substituído por emprego não permanente (baseado em contratos de trabalho a termo e temporários) e a tempo parcial, remunerado com salários muito mais baixos. Muitos jovens à procura de emprego ou precários – na sua maioria passando de emprego para emprego, e auferindo retribuições baixas, sem possibilidade de perspetivar uma carreira profissional – perante tamanha incerteza de vida, tendem a adiar um projeto de maternidade ou de paternidade.

São inúmeros os estudos internacionais que atestam que a precariedade laboral tem significativas repercussões na família, sendo também um dos principais fatores de aumento da pobreza. A segurança de um rendimento é um fator crucial para a estabilidade pessoal e familiar e os trabalhadores precários têm um grau de imprevisibilidade no seu futuro que os força a viver em permanente stress financeiro.

E esta situação é especialmente grave em Portugal, tanto mais que, como se sabe, auferindo salários muito baixos, os indivíduos e as famílias têm fraca capacidade de poupança que, por exemplo, lhes permita dispor de rendimento futuro para fazer face a eventualidades como o desemprego. De facto, importa precisar que, para além da dimensão de incerteza – e constante sentimento de insegurança perante o desemprego – uma outra vertente do trabalho precário prende-se com os baixos salários e o subemprego. Por exemplo, com salários a tempo completo parcos para fazer face às despesas familiares mensais, a maioria dos portugueses rejeita voluntariamente o trabalho a tempo parcial e só mesmo numa situação de ausência de alternativa – por exemplo, em situação de desemprego – aceita trabalhar sob esta forma.

A atual conjuntura económica, e o empobrecimento das famílias aliado à falta de confiança no futuro, retira às pessoas a disponibilidade para contrair a responsabilidade da família, de um filho ou de um segundo ou terceiro filho. Recentemente, a OIT num documento onde analisou o impacto da crise financeira internacional em Portugal, intitulado Enfrentar a crise em Portugal, realçava que o nosso país enfrenta a situação económica e social mais crítica da sua história recente, salientando ainda que os cortes nos salários e nas prestações sociais, combinados com certos aumentos fiscais, desgastaram os rendimentos das famílias, defendendo que é necessário infletir rapidamente esta situação. Ora é neste contexto de acentuado envelhecimento da sociedade portuguesa e de uma crescente segmentação do mercado de trabalho que importa que se implementem políticas públicas – laborais e fiscais – especificamente dirigidas à família. Até porque um Estado que não investe no bem-estar das famílias e na equidade social não pode, a médio prazo, ambicionar um desenvolvimento sustentável.

Professora universitária e investigadora
 
 
 
 

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