Um médico que não faz greve: “O ministro até tem cumprido o que negociou com os sindicatos”

António Alvim, médico de família, em Lisboa

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António Alvim, médico de família, em Lisboa DR

No primeiro dia da greve dos médicos, o PÚBLICO foi conhecer um clínico que em 2012 fez greve, mas que desta vez não vê motivos para aderir à paralisação. Retomámos também o contacto com dois médicos que falaram ao PÚBLICO há dois anos, por ocasião da outra greve, para perceber como se posicionam agora. Um deles vai voltar a aderir aos protestos, falando em razões reforçadas. O outro pediu reforma antecipada por considerar que já não existiam condições para trabalhar no SNS e está agora apenas no sector privado – pelo que assistirá a estes dois dias de greve à distância.

A greve dos médicos de Julho de 2012 e a de agora têm uma coisa em comum: apanharam António Alvim, de 58 anos, em pleno período de férias de Verão. Mas as semelhanças acabam aí. Há dois anos este médico de família na Unidade de Saúde Familiar Rodrigues Miguéis, em Benfica, fez questão de interromper o descanso para aderir à greve e pediu mesmo que lhe desmarcassem aqueles dois dias – o que implica perda de vencimento. Porém, desta vez, não o vai fazer. Não se revê no protesto e considera-o mesmo “extemporâneo”.

“Há dois anos havia uma razão para fazermos greve, que era a falta de diálogo do Ministério da Saúde que arrastava desde Janeiro desse ano questões como as carreiras médicas. Agora considero que a realidade não é diferente de outras áreas e o que está a acontecer no Serviço Nacional de Saúde é reflexo da crise e não da falta de diálogo, pois acho que o ministro até tem cumprido o que negociou com os sindicatos, não pode é resolver tudo do dia para a noite e na maior parte dos casos as questões foram desbloqueadas”, defende António Alvim.

Para o médico, as greves desta classe têm um impacto que deve ser muito ponderado, e na sua óptica é mais um motivo para desta vez achar que o protesto não vem na altura certa. “Os médicos não podem fazer greve de ânimo leve, pois os prejudicados são os doentes, a saúde das pessoas, e ninguém imagina a dificuldade que é remarcar algumas consultas, sobretudo em algumas especialidades nos hospitais. As pessoas não têm dinheiro para outras soluções e não nos podemos esquecer disso”, justifica.

Sobre a degradação do SNS que muitos profissionais alegam para aderir ao protesto, António Alvim contrapõe: “Há 30 anos que oiço dizer que os ministros vão destruir o SNS e aquilo que vemos é que, apesar das dificuldades, o SNS conta hoje com mais recursos, temos mais hospitais, abriram mais unidades de saúde familiar, voltámos a ter concursos para médicos, entre outras coisas. Claro que há dificuldades, mas que considero que são as mesmas que todo o país atravessa.”

O clínico insiste que “houve negociação” por parte da tutela, apesar do “descontentamento genérico” que se encontra no terreno e que atribui ao estado geral do país, considerando que no sector da saúde Paulo Macedo até tem conseguido reinvestir verbas à custa de mudanças, por exemplo, na política do medicamento. O que falta no Ministério da Saúde, na perspectiva de António Alvim, é “bom senso político para não atear alguns fogos inúteis”, melhorando a “capacidade política para negociar com os sindicatos sem alguma agressividade que se nota em algumas estruturas”.

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