Tribunal levanta castigo a procurador "sensível" mas "temerário" que achincalhou Pinto Monteiro

Quiçá “obnubilado por irritações várias, e talvez desejoso de afrontar moinhos de vento”, magistrado tinha acusado procurador-geral da República de abuso de poder e peculato.

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Pinto Monteiro não quer que o futebol seja uma excepção Enric Vives-Rubio

Ficou sem efeito o castigo destinado a punir um magistrado que achincalhou, segundo os juízes, Pinto Monteiro e o seu vice quando estavam à frente da Procuradoria-Geral da República. Um acórdão recente do Supremo Tribunal Administrativo anulou definitivamente a suspensão de funções, durante três meses, do procurador-geral adjunto Carlos Monteiro, que, em 2010, havia apresentado uma queixa-crime contra os seus dois superiores hierárquicos por abuso de poder, usurpação de funções e peculato.

A queixa de Carlos Monteiro, um profissional de reconhecido mérito ao longo de mais de três décadas, relacionava-se com o facto de o então vice-procurador-geral da República, Mário Gomes Dias, se ter mantido em funções apesar de ter atingido a idade de aposentação. O zelo do procurador não caiu bem aos seus superiores, que lhe abriram um processo disciplinar por violação dos deveres de lealdade e correcção. A deliberação do Conselho Superior do Ministério Público que lhe aplicou os 90 dias de suspensão não regateou elogios às partes em confronto: diz que um “homem inteligente e sensível como Carlos Monteiro” devia ter percebido que os alvos das suas queixas, pessoas “com notáveis currículos, elevadíssimo mérito e aferrado sentido de honra” tinham decerto razões ponderosas para manter em funções alguém demasiado velho para exercer o cargo. E que a sua “temeridade denunciadora”, e mesmo “leviana”, só se compreende por o magistrado se encontrar “obnubilado quiçá por irritações várias, talvez desejoso de afrontar moinhos de vento”. É que antes deste episódio, três anos antes, Mário Gomes Dias havia aplicado uma multa a Carlos Monteiro por este ter apresentado uma denúncia considerada injuriosa contra o presidente do Tribunal de Contas. O magistrado sempre alegou que as suas diligências não tinham outro fim que não melhorar a aplicação da lei e aperfeiçoar as instituições – acabando assim como “clima de descrédito e suspeita em que tem caído o sistema judicial português”.

Só que a “espiral de excesso” de queixas e contra-queixas, como lhe chamaram os membros do Conselho Superior do Ministério Público, não ficou por aqui: Carlos Monteiro recorreu da condenação feita pelos seus pares para o Supremo Tribunal Administrativo, que deu como provado que, afinal de contas, as suas denúncias tinham visado acima de tudo desconsiderar e achincalhar Pinto Monteiro e Mário Gomes Dias, pois na altura em que levantara o problema já era público o facto de este último ter ultrapassado o limite legal de idade para o exercício de funções. O direito à liberdade de expressão não pode ser invocado para ofender os colegas de trabalho ou os seus superiores, sublinharam os magistrados. Por estarem em causa os máximos representantes da sua magistratura, o procurador-geral adjunto devia ter tido “um especial dever de respeito, cuidado e ponderação” nas suas atitudes. Mas ao mesmo tempo que o consideravam culpado de violação dos deveres de lealdade e correcção, os juízes do Supremo Tribunal Administrativo tropeçavam num obstáculo intransponível: o relator do processo disciplinar de Carlos Monteiro não fora escolhido por sorteio, uma exigência legal destinada a garantir transparência e imparcialidade. Havia sido designado por despacho da sucessora de Mário Gomes Dias, que entretanto se fora embora da Procuradoria-Geral da República. Pelo que a suspensão de três meses fica sem efeito.

A decisão não agradou nem ao Conselho Superior do Ministério Público nem sequer ao procurador-geral adjunto, mas o recurso que dela apresentaram deu em nada: no mês passado o Supremo Tribunal Administrativo confirmou que achincalhar o PGR não deu, neste caso, direito a castigo.

 

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