Tribunal Constitucional a um passo de acabar com julgamentos sumários em crimes graves

Ministério Público pediu a fiscalização abstracta da norma e é quase certo que tribunal vai declarar inconstitucionalidade dos julgamentos sumários nos crimes com pena superior a cinco anos de prisão.

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O alargamento dos julgamentos sumários a mais crimes era uma das pedras de toque da reforma penal da actual ministra da Justiça Daniel Rocha

O Tribunal Constitucional (TC) está a um passo de acabar com os julgamentos sumários, feitos por apenas um juiz, nos crimes com pena superior a cinco anos de prisão em que os suspeitos forem apanhados em flagrante delito, por entender que estes julgamentos não asseguram todas as garantias de defesa aos arguidos.

Depois de no final do mês passado, o tribunal ter julgado no terceiro caso concreto a inconstitucionalidade do artigo do Código Processo Penal que possibilita o julgamento sumário em crimes graves, o Ministério Público pediu a fiscalização abstracta da norma. Isto colocará um ponto final nesta questão, com uma decisão que vinculará todos os tribunais.

“O Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu a fiscalização abstracta e sucessiva da norma constante no artigo 381.º do Código de Processo Penal no passado dia 3 de Dezembro, que ainda não obteve qualquer decisão”, confirma a Procuradoria-Geral da República (PGR) numa resposta enviada ao PÚBLICO.

Apesar de ainda não haver decisão do TC, é quase certa a declaração da inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 381.º do Código de Processo Penal, que entrou em vigor em Março. Isto porque nas três decisões já tomadas pelo Constitucional intervieram, por unanimidade, 10 dos 13 juízes, que agora vão ser chamados a pronunciarem-se sobre esta questão. A decisão será tomada por maioria, sendo necessário apenas a concordância de sete magistrados, o que não parece ser difícil. Em regra, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral faz com que a norma visada não chegue a produzir efeitos e recoloca em vigor o preceito que esta pretendia revogar.

O alargamento dos julgamentos sumários foi uma das medidas-bandeira da reforma penal proposta pelo Ministério da Justiça, liderado por Paula Teixeira da Cruz. Na exposição de motivos da proposta de lei, que deu origem à revisão do diploma, justifica-se assim a mudança: “A possibilidade de submeter os arguidos a julgamento imediato em caso de flagrante delito possibilita uma justiça célere que contribui para o sentimento de justiça e o apaziguamento social”.

Acrescentava-se que naquele momento, a lei apenas possibilitava julgamentos em processo sumário, no caso de crimes cuja punição correspondesse a pena de prisão não superior a cinco anos ou quando, ultrapassando essa pena abstracta, o Ministério Público entendesse que não devia ser aplicada pena superior a cinco anos de prisão. “Contudo, não existem razões válidas para que o processo não possa seguir a forma sumária relativamente a quase todos os arguidos detidos em flagrante delito, já que a medida da pena aplicável não é, só por si, excludente desta forma de processo”, lia-se na proposta.

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de Paula Teixeira da Cruz não adianta se pretende apresentar uma nova proposta de alteração, referindo apenas que se encontra "de momento a avaliar a situação".

Os julgamentos sumários correspondem a um processo acelerado quanto aos prazos aplicáveis e simplificado quanto às formalidades exigíveis. O ano passado, segundo o relatório-síntese da PGR divulgado há dias, dos mais de 95 mil julgamentos penais realizados, 29%, ou seja, 27.154, foram feitos segundo as regras do processo sumário.

Este tipo de processo caracteriza-se por o julgamento ter que começar no máximo até 20 dias após a detenção. As testemunhas não são notificadas pelo tribunal, mas apresentadas pelas partes, sendo que a falta delas não dá lugar a adiamento da audiência. A única excepção é o juiz considerar esse depoimento imprescindível para a descoberta da verdade. A prova tem que ser toda produzida no limite máximo de 90 dias, no caso de crimes com pena superior a cinco anos de prisão. Não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões condenatórias do juiz singular ainda que apliquem pena de prisão superior a cinco anos.

O Tribunal Constitucional tem recorrido aos mesmos argumentos nos três casos já apreciados, remetendo no último acórdão, datado de 28 de Novembro, para as duas decisões anteriores. A primeira, que serviu de referência à segunda, realça que um “julgamento através do tribunal singular oferece ao arguido menores garantias de defesa do que um julgamento em tribunal colectivo, desde logo porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa”. Isto, dizem os juízes do TC, porque um tribunal singular “será normalmente constituído por um juiz em início de carreira com menor experiência profissional, o que poderá potenciar uma menor qualidade de decisão”.

“Acresce que a prova directa do crime em consequência da ocorrência de flagrante delito, ainda que facilite a demonstração dos factos juridicamente relevantes para a existência do crime e a punibilidade do arguido, poderá não afastar a complexidade factual relativamente a aspectos que relevam para a determinação e medida da pena ou a sua atenuação especial”, lê-se no acórdão datado de 15 de Julho deste ano.

E remata-se: “Não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos solene e garantístico, possa ser aplicado a todos os arguidos detidos em flagrante delito independentemente da medida da pena aplicável. Tanto mais que mesmo o processo comum, quando aplicável a crimes a que corresponda pena de prisão superior a cinco anos, dispõe já de mecanismos de aceleração processual”.<_o3a_p>
 
 
 

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