Tribunal anula despacho sobre prova de professores em acórdão “demolidor”

O MEC já anunciou que que vai recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal que anula o despacho de calendarização da aplicação da PACC em 2013. Fenprof diz que decisão abre porta a pedidos de indemnização.

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A prova tem sido muito criticada pelos professores Miguel Manso

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAFC) anulou o despacho de 2013 através do qual o actual Ministério da Educação e Ciência (MEC) definiu o calendário da aplicação da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) e condições de aprovação dos candidatos a professores, com argumentos que colocam em causa a legitimidade da criação daquela prova, anunciou nesta terça-feira a Federação Nacional de Professores (Fenprof). A decisão fica suspensa com anunciada apresentação de recurso por parte do Ministério da Educação, mas a fundamentação "isola politicamente, ainda mais", o actual Governo, considera o secretário-geral da organização sindical, Mário Nogueira.

No acórdão, divulgado pela Fenprof, o TAFC faz considerações sobre todo o quadro legislativo relativo à alteração do Estatuto da Carreira Docente (ECD) e à instituição da PACC, que remonta a 2007, quando Maria de Lurdes Rodrigues era ministra da Educação, no Governo de José Sócrates. E, como vem agora sublinhar a Fenprof, apoia os argumentos daquela organização sindical contra a prova, que na sequência de alterações introduzidas pelo actual Governo é agora exigida (e foi aplicada em 2013 e 2014) a todos os docentes com menos de cinco anos de serviço que queiram candidatar-se a dar aulas.

“O TAFC debruça-se sobre o enquadramento legal da prova, designadamente o que foi inscrito no ECD, entendendo que ele ofende o princípio da segurança jurídica imanente da ideia de Estado de Direito Democrático, bem como a liberdade de escolha da profissão prevista na Constituição da República Portuguesa”, frisa a Fenprof, num comunicado divulgado nesta terça-feira.

A organização sindical cita o acórdão (que tem data de 28 de Janeiro) para sublinhar que, tal como tem vindo a defender, também o tribunal considera que “as qualidades profissionais” dos docentes submetidos à PACC “são já previamente atestadas pelos cursos de ensino superior (...) devidamente homologados”. No acórdão pode ler-se ainda que a prova é considerada um “obstáculo” “não expectável”, imposto “ao arrepio de legítimas expectativas de cidadãos que contavam ser considerados já aptos para o exercício de uma profissão”.

“O TAF considera, mesmo, que o 'Estado actua de forma contraditória, agindo em abuso de direito (...) quando, por um lado, reconhece competências para as instituições de ensino superior formarem cabalmente os futuros docentes e, por outro lado, os sujeita a um exame para os inserir no quadro'”, prossegue a Fenprof.

O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, considera o acórdão "demolidor" e afirma que ele "isola ainda mais, politicamente, o MEC". Sobre as consequências, afirma que "se se consumar a decisão, todos os que provarem ser sócios da Fenprof" e que "seriam colocados" a dar aulas em 2014/2015 têm direito a indemnização. Para além disso, frisa, abrir-se-á "a discussão sobre a própria natureza da prova como obstáculo ilegal de acesso à função pública". 

João Louceiro, também dirigente da Fenprof, disse acreditar que, se a sentença vier a ser confirmada por instâncias superiores, "toda a prova pode ruir, já que a fundamentação da decisão do TAFC não se baseia nos termos do despacho, em si, mas na ilegalidade dos decretos que produzem a alteração do ECD e na instituição da prova". Ressalvou, no entanto, que os próprios juristas da organização "não fizeram ainda uma leitura mais fina da sentença" que determina não a anulação daquela legislação (o que não estava em causa), mas a anulação de um despacho que define "o calendário de realização da prova de conhecimentos e capacidades, as condições de aprovação e os valores a pagar pela inscrição, consulta e pedido de reapreciação" em relação à primeira aplicação da prova, em 2013.

Em resposta ao PÚBLICO, esta terça-feira, o MEC anuncia precisamente que "irá interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte no respectivo prazo legal, acto que tem efeitos suspensivos da decisão". Perto das 17h enviou um "esclarecimento" em que refere que, como é "do conhecimento público", no ano passado" foram intentadas várias providências cautelares pedindo a suspensão da PACC" e " a decisão final dos tribunais superiores foi sempre favorável ao MEC".

Não é fácil apurar a quantas pessoas se aplicaria a sentença, já que nem todos fizeram a primeira edição nos termos do calendário definido no despacho agora anulado pelo TAFC. Houve professores que não tiveram condições para a fazer em Dezembro de 2013, devido a acções de protesto e a tentativas de boicote por parte de manifestantes e a quem foi dada a possibilidade de realizar a prova em Julho. Sabe-se que se inscreveram 13.500 professores em Dezembro e 4120 em Julho e que no total só foram feitas e validadas provas de 10.220 docentes. Destes professores, 8747 passaram (e tiveram a possibilidade de ser colocados) e 1473 chumbaram. Tendo em conta as declarações de Mário Nogueira, seria necessário saber quantos destes, que chumbaram, é que fizeram a prova em Dezembro, de acordo com o aviso anulado; quantos seriam colocados caso tivessem passado na prova; e, desses, quais pertenciam a sindicatos da Fenprof. 

A prova voltou a ser realizada em Dezembro de 2014. De um total de 2490 professores que fizeram a componente comum da PACC, sem a qual não podem candidatar-se a dar aulas, 34,3% chumbaram. Estes já não farão a componente específica da prova, em que serão testadas as aptidões científicas dos professores, consoante as respectivas áreas disciplinares (História, Matemática, Português, etc). Esta parte do teste será aplicada neste mês de Fevereiro, em datas ainda não divulgadas. A Fenprof e outras organizações sindicais mantêm os protestos contra a sua realização e lançaram um pré-aviso de greve a todos os serviços relacionados com a PACC.

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