Tribunais podem fixar regime de contacto com netos

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A lei consagra o direito de contacto entre avós e netos Nelson Garrido

Os avós podem socorrer-se da lei quando entendem que estão a ser afastados do convívio com os seus netos. De acordo com Rosa Cândido Martins, do Centro de Direito da Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, "a lei reconhece o direito dos netos ao convívio com os avós (ascendentes, parentes em linha recta no segundo grau) e o direito dos avós ao convívio com os netos se e na medida em que esse contacto se revelar conforme ao interesse" das crianças.

Segundo o artigo 1887.º/A do Código Civil, "os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes". Rosa Cândido Martins esclarece que "os avós podem recorrer a tribunal para que este fixe um regime de contacto" com os netos: "Todavia, o tribunal terá sempre de apreciar se esse contacto, no caso concreto, serve ou não o interesse da criança", esclarece por email.

O presidente da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental, Ricardo Simões, conhece "apenas alguns" casos de avós que recorreram aos tribunais. Porém, conta, "apesar de geralmente até ser favorável", a decisão do tribunal acaba por se revelar, "em termos de tempo e qualidade", "muito aquém do desejado". Ricardo Simões cita, por exemplo, casos em que é estabelecido um almoço por mês aos domingos.

Elas procuram mais ajuda

Apesar de não serem muitos, a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental tem alguns avós associados, embora num número "não tão frequente como pais e mães". Representam cerca de 10% do total.

"Curiosamente", Ricardo Simões não se recorda de nenhum avô que, sozinho, os tenha procurado. São sobretudo as avós que o fazem. "A maior parte das avós ou casais de avós que nos chegam são do lado paterno e apenas tivemos um caso sui generis de ser a própria filha a impedir o contacto da sua mãe com a neta", conta.

Segundo Ricardo Simões, quando uma das partes é afastada do convívio com a criança, "o que normalmente acontece é que a restante família alargada também o é". Há, depois, "alguns casos excepcionais", que não são relativos a divórcios mas à morte de um dos membros do casal.

João Mouta, presidente da Pais para Sempre - Associação para a Defesa de Pais Separados, ressalva, porém, que há casos de avós que não vêem os netos por dificuldades na gestão do tempo de um dos pais: "Mesmo quando o progenitor não guardião, aquele que não vive no dia-a-dia com as crianças, não desiste de manter contacto com os filhos, frequentemente os tempos que lhe são conferidos como direito de visita não são suficientes para possibilitarem o contacto dos filhos com os avós e restante família, materna ou paterna, consoante o caso". João Mouta explica que "o progenitor que não vive com os seus filhos, ávido destes, sedento da sua companhia, esquece, ainda que não intencionalmente, o direito que os filhos têm à restante família, aos avós".

O presidente da Pais para Sempre reconhece que "quando o casal conjugal se dissolve e os pais se separam é, infelizmente, frequente que um dos lados familiares da criança desapareça da sua vida, principalmente se o litígio entre os progenitores for elevado": "Neste contexto, as crianças perdem o contacto com os tios, primos, sobrinhos e avós", constata.

Bom senso

Para João Mouta, estas situações podem ser resolvidas com "bom senso", embora esta seja "talvez" das condições "mais difíceis de encontrar nestes contextos": "Só se encontra com vontade por parte de todos os agentes", frisa, referindo-se aos progenitores e respectivas famílias, e também aos juízes, quando em causa está um processo judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Este dirigente recorda que o Supremo Tribunal de Justiça, chamado a clarificar a aplicação do artigo 1887.º/A do Código Civil, proferiu em 1998 um acórdão onde se lê que a lei consagra não só o direito do menor ao convívio com os avós como reconhece também um direito destes ao convívio com o neto, que poderá designar-se por "direito de visita". Segundo o acórdão, em caso de conflito entre os pais e os avós do menor, o interesse deste último será o critério decisivo para que seja concedido ou denegado o "direito de visita". Acrescenta ainda que, presumindo a lei que a ligação entre os avós e o menor é benéfica para este, cabe aos pais - ou ao progenitor sobrevivo ou que ficou a deter o poder paternal - a prova de que, no caso concreto, esse relacionamento ser-lhe-á prejudicial.

O presidente desta associação frisa ainda que no acórdão se entende que "os avós têm em relação aos netos um papel complementar ao dos pais, embora de natureza diferente": "Enquanto os pais assumem uma função predominantemente de autoridade e de disciplina em relação aos filhos, o papel dos avós é quase exclusivamente afectivo e lúdico, satisfazendo a necessidade emocional da criança de se sentir amada, valorizada e apreciada".

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