Três em cada dez portugueses desconhecem que têm uma doença reumática

Dados do primeiro Estudo Epidemiológico de Doenças Reumáticas em Portugal mostra que mais de metade dos inquiridos sofre destas patologias, ainda que muitos não saibam.

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As doenças reumáticas afectam uma proporção maior de mulheres do que de homens Miguel Madeira

Têm dores que se reflectem na qualidade de vida e no mundo do trabalho, mas não sabem que nome lhe dar. Esta é a realidade de quase 35% dos portugueses que, apesar dos sintomas, desconhecem que têm uma doença reumática – um “chapéu” que serve a mais de 100 patologias distintas, das lombalgias, à artrite reumatóide e à osteoartrose, passando pela osteoporose. No total, de acordo com a radiografia feita por um estudo de âmbito nacional, apesar de só 22% das pessoas saberem que têm uma doença reumática, na realidade a prevalência afecta 56% dos portugueses – uma percentagem que sobe para os 64% no caso das mulheres.

Os dados fazem parte do EpiReumaPt (Estudo Epidemiológico de Doenças Reumáticas em Portugal), apresentado nesta segunda-feira em Lisboa, e que contou com a análise de mais de 10 mil pessoas, com o objectivo de dar resposta a algumas das questões do Programa Nacional Contra as Doenças Reumáticas. Mais de 3600 pessoas com queixas foram encaminhadas para consultas com reumatologistas programadas especialmente nos centros de saúde. O trabalho, que começou em Setembro de 2011 e que avaliou pessoas no terreno até Dezembro de 2013, além da prevalência destas doenças crónicas, pretendeu identificar as diferenças entre as várias regiões do país, o peso socioeconómico e, ainda, o impacto destes diagnósticos na qualidade de vida dos doentes, onde se inclui a capacidade para trabalhar.

Para o reumatologista Jaime Branco, investigador principal do estudo coordenado pela Sociedade Portuguesa de Reumatologia e financiado pela Direcção-Geral da Saúde e por outras entidades como a Gulbenkian, a Fundação Champalimaud e alguns laboratórios farmacêuticos, as principais conclusões vão ao encontro da realidade observada por quem está no terreno e estão “em linha com os resultados espanhóis e com os dos outros países da Europa do Sul”. O também director do Serviço de Reumatologia do Hospital de Egas Moniz, em Lisboa, e director da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa salienta ao PÚBLICO que “não há uma boa cobertura de reumatologia no país e as pessoas acabam por não consultar nenhum médico, apesar de terem queixas comuns como cansaço ou dores”.

Ao todo, há mais de cem doenças reumáticas, que vão das doenças inflamatórias do sistema músculo-esquelético, do tecido conjuntivo e dos vasos (como é o caso da artrite reumatóide e do lúpus eritematoso sistémico), passando por outras mais conhecidas como as que afectam os tecidos moles (tendinites), as doenças que degenerativas que afectam as articulações e a coluna vertebral (como é o caso da osteoartrose) ou as chamadas doenças ósseas metabólicas (onde se inclui a osteoporose). Estas doenças são consideradas em todo o mundo a causa mais frequente de morbilidade e só na Europa estima-se que a prevalência de dor associada a estas patologias na população adulta esteja entre os 20% e os 30%.

Lombalgia é a doença mais comum

O trabalho centrou-se nas 12 doenças reumáticas consideradas centrais pelo Programa Nacional: lombalgia, fibromialgia, patologia periarticular, osteoartrose das mãos, osteoartrose dos joelhos, osteoartrose da anca, gota, artrite reumatóide, espondilartrites, lúpus eritematoso sistémico, polimialgia reumática e osteoporose. As conclusões apontam para que a lombalgia seja a que mais pessoas afecta, com uma prevalência de 26,4% na população total e 29,6% nas mulheres. Ainda assim há assimetrias regionais significativas, com a percentagem na população total a subir para os 32,2% no Centro do país e os 30,4% no Norte.

A partir deste trabalho, Jaime Branco espera que seja possível redesenhar o sistema de saúde para esta área que tem um número de especialistas insuficiente para a carga de doença que existe e que, alerta, retira mais qualidade de vida aos doentes que outras patologias como as alergias, algumas patologias cardíacas, gastrointestinais ou mesmo oncológicas. “A maior parte dos doentes não tem acesso a consultas e as doenças reumáticas, como todas as outras, devem ser diagnosticadas sobretudo nas fases mais precoces, para que o tratamento seja eficaz e feito quando ainda não há grandes lesões. Quanto mais precoce for a abordagem terapêutica, melhor o tratamento, sobretudo no caso das doenças articulares e inflamatórias, em que tratar logo nos primeiros sintomas é fundamental para o prognóstico da doença”, defende, por isso, o especialista.

Perda de produtividade custa 204 milhões

Quanto ao lado económico do estudo, as estimativas apontam para que os custos com as perdas de produtividade por faltas ao trabalho em doentes reumáticos rondem os 204 milhões de euros por ano. Segundo as explicações dadas ao PÚBLICO pelo economista Pedro Pita Barros, da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, e também investigador neste trabalho, o valor global resulta de dois tipos de análise que apuraram “os custos em termos de recursos usados para tratar as pessoas e os custos indirectos de absentismo laboral, por um lado, e equivalente monetário das incapacidades que as doenças reumáticas implicam”. Em termos de custos nos serviços de saúde, se todos os doentes fossem tratados de igual forma, a factura da fisioterapia ascenderia aos 220 milhões e a das consultas aos 1,6 mil milhões.

O forte impacto das doenças reumáticas na vida profissional tinha já sido abordado num outro estudo divulgado do final do ano passado, realizado pela plataforma PortugalApto.PT (Portugal Apto para o Trabalho - Produtividade, Empregabilidade e Saúde Social). O trabalho indicava que a dor na coluna lombar foi a doença reumática e músculo-esquelética mais frequentemente reportada e adiantava que entre os 500 doentes inquiridos online cerca de 60% admitiam sentir-se diminuídos e limitados na sua produtividade e que, destes, 43,5% referiam que a sua produtividade foi afectada em mais de 50%.

A perda de horas de trabalho foi outro dos problemas identificados, com mais de 15% dos inquiridos a reportarem este problema e com 20% a assumirem que perderam entre 20 e 40 horas de uma semana por causas relacionadas com as doenças reumáticas. O estudo indicou ainda que a grande maioria dos inquiridos (85,9%) sofreram limitações fora do trabalho (em actividades pessoais e familiares) e que destes, 41,8% tiveram limitações superiores a 50% nas suas actividades não laborais por causa da doença reumática.

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