Tratar ou destratar a bandeira nacional

O que é a bandeira aos olhos da lei? E o que significa respeitar ou não um símbolo nacional?

Não são de hoje as polémicas sobre a forma como este símbolo nacional é tratado ou maltratado, e já tivemos inclusive, no passado, casos de condenação, como o de um jovem que em 2004 queimou uma bandeira numa manifestação antitouradas.

Uma bandeira “enforcada” num cadafalso veio relançar o debate sobre o respeito para com os símbolos nacionais. O respeito, ou a falta dele, e até o conceito do que é um símbolo nacional estão tipificados na lei. No artigo 11.º da Constituição lê-se que “a Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910”.

O debate, recorrente, sobre o respeito pelos símbolos nacionais regressou esta semana porque um jovem licenciado em Artes Visuais pela Universidade do Algarve foi a tribunal responder pela acusação de ter cometido o crime de ultraje à bandeira nacional. O jovem fez uma obra em que exibe a bandeira nacional “enforcada” num cadafalso, o que provocou a indignação de um cidadão que se queixou à GNR, há cerca de um ano, quando a viu montada num terreno junto à EN125, em Faro. A instalação foi apreendida e o autor acusado de ultraje aos símbolos nacionais.

O artigo 332.º do Código Penal diz que quem “publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por outro meio de comunicação com o público”, ultrajar a bandeira ou “faltar ao respeito” que lhe é devido, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. Uma moldura penal que faz qualquer um pensar duas vezes antes de “enforcar” uma bandeira nacional. Mas o jovem algarvio, antes de “pendurar” a bandeira, também sabia, mesmo que intuitivamente, que poderia encontrar algum conforto jurídico no artigo 37.º da Constituição da República – “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio” – ou ainda no artigo 42.º da Lei Fundamental: “É livre a criação intelectual, artística e científica.”

A questão determinante aqui é saber se, como escrevia a jornalista São José Almeida no PÚBLICO neste sábado, “deverá uma lei prevalecer sobre a liberdade ou, pelo contrário, a liberdade legalmente regulada é um princípio inviolável em democracia?”. Se concordamos com o princípio de que é condenável ultrajar um símbolo nacional em público, afunilamos a polémica e a pergunta fica reduzida à questão da intenção. Mas aqui levanta-se outra questão. Alguém que “enforque” uma bandeira num ambiente escolar para produzir uma peça de arte, e passar a mensagem de que “o país está com a corda na garganta”, naturalmente não merece o castigo da lei. E quem replicar a mesma peça porque quer realmente “ultrajar” a bandeira, seja lá o que isso quer dizer? Aqui não há lei que nos valha a não ser o bom senso dos agentes da justiça.
 

   





Sugerir correcção
Comentar