“Transtorno” da greve dos enfermeiros divide doentes

Alguns utentes estão ao lado dos enfermeiros, outros criticam que os doentes que ficam sem tratamentos sejam prejudicados.

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Em Sete Rios, alguns tratamentos e vacinas ficaram para outro dia Enric Vives-Rubio

Maria Odete Nunes desce vagarosamente as longas escadas do Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa. Uma mão coordena-se com o corrimão, a outra com a muleta. Vem a murmurar palavras irritadas. A distância de casa até à unidade de saúde não é grande, mas as pernas “com uma idade que já não se conta”, tornam qualquer percurso num desafio. Veio – em vão – refazer o penso na perna enfaixada em ligaduras. “Os enfermeiros estão em greve e agora não há nada para ninguém. Podiam ao menos ter telefonado ou dito na televisão”, diz, zangada e ameaçando não regressar amanhã.

O Centro de Saúde de Sete Rios é uma das unidades afectadas pela greve de três dias convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP). Nesta terça-feira param os hospitais e centros de saúde de Lisboa e Vale do Tejo, na quarta-feira é a vez do Alentejo e na quinta-feira o protesto chega ao Algarve. Na base da greve estão sobretudo problemas salariais, tanto no valor de acesso à profissão, como nas carreiras congeladas ou cortes nas horas extraordinárias. O SEP estima que a adesão neste primeiro dia tenha sido superior a 77%.

A falta dos enfermeiros é vista como um “transtorno” pelos utentes, ainda que alguns compreendam as razões da greve e que se coloquem ao lado dos profissionais de enfermagem. Não é o caso de Odete Nunes, que insiste em que “merecia pelo menos ser avisada”. A reformada queixa-se “das greves a toda a hora” que “não levam a lado nenhum”. “Nós é que sofremos”, acrescenta.

Neste centro de saúde a adesão dos enfermeiros à greve não foi total. Houve profissionais a comparecerem, por exemplo, na vacinação infantil e nas consultas de saúde materna – mas não no serviço que Odete Nunes precisava. Problema semelhante teve Maria do Rosário Lourenço. Viaja em breve para Angola e veio à consulta do viajante. “Tive consulta com o médico mas não havia enfermeiro para dar a vacina e tenho de voltar amanhã”, explica. Critica o “transtorno”, mas percebe que os enfermeiros estão a defender a sua carreira.

Do lado dos hospitais, por realizar ficam sobretudo algumas cirurgias programadas e também tratamentos. Hélio Rocha é da Ilha Terceira mas teve o azar de se cortar num braço aqui em Lisboa. Vinha mudar o penso ao Hospital de S. José, onde as salas de espera estão praticamente iguais aos outros dias. Só alguns panfletos colados nos vidros fazem notar que não é um dia igual aos outros. “Mas por causa da greve não havia enfermeiro para fazer isto. Como era urgente foi mesmo o médico, da cirurgia plástica, a ter de fazer. Claro que fiquei satisfeito”.

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