Trabalho escravo: uma rede para apanhar a rede

Só uma intervenção em rede, que envolva o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Ministério Público e a Autoridade das Condições de Trabalho, poderá pôr cobro a redes que vêem na liberdade de circulação um negócio indigno e vexatório para quem paga e para quem recebe.

Nos últimos anos, o Alqueva tem batido recordes mundiais de produtividade por hectare em várias categorias de produtos, e o azeite é um deles. A produção de azeitona atingiu em 2013 níveis que não eram alcançados desde a década de 60, as exportações não param de crescer e Portugal está entre os cinco países que mais exportam este produto a nível mundial. Mas o sucesso do sector tem um senão: a utilização de mão-de-obra estrangeira em condições deploráveis, a ponto de se poder falar em “trabalho escravo”. O ciclo é o mesmo de sempre. Aparentemente, o Alentejo não dispõe de mão-de-obra suficiente para que o sector responda aos picos de produção sazonais e este pactua, de alguma forma, com as “redes mafiosas que alimentam novas formas de escravatura”, como afirmava Manuel Narra, presidente da Câmara da Vidigueira na nossa edição de ontem. A distância entre a necessidade de aumentar a produção e o recurso a redes mafiosas é, nestes casos, demasiado curta. Já tínhamos visto o mesmo na apanha de tomate na extremadura espanhola. Já tínhamos visto o mesmo a acontecer a trabalhadores portugueses em outros países europeus.

A denúncia do autarca é corroborada por outras fontes e sabe-se que a Vidigueira não é caso único. Donde, seria expectável que as associações e empresas do sector não se limitassem a garantir que cumprem as condições contratuais com as empresas a quem solicitaram os trabalhadores que lhes escasseiam, sabendo as condições de habitabilidade destes e fingindo ignorar que lucram com grupos criminosos envolvidos no tráfico de seres humanos para exploração laboral. Os comunicados da Procuradoria-geral Distrital de Lisboa sobre o tráfico de pessoas com esta finalidade (sobretudo da Roménia, Bulgária ou Nepal) permite perceber o tipo de violência que é exercida e o carácter internacional destas redes.

Se a GNR é capaz de lançar uma campanha chamada Azeitona Segura, para impedir a apanha ilegal, por que é que o Estado não é capaz de uma resposta preventiva, transversal e persuasora, à semelhança da realizada nos estaleiros das obras do Euro 2004, em casos como este? Só uma intervenção em rede, que envolva o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Ministério Público e a Autoridade das Condições de Trabalho, poderá pôr cobro a redes que vêem na liberdade de circulação um negócio indigno e vexatório para quem paga e para quem recebe.

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