Ter (mais) filhos – uma opção difícil

Portugal regista hoje um nível de fecundidade que não assegura o nível de substituição de gerações e, de acordo com as expectativas de especialistas, não deverá recuperar nos próximos 40 anos.

Num momento em que na comunicação social o tema da natalidade no nosso país tem sido colocado em termos verdadeiramente dramáticos, salvo raras excepções – “a falta de crianças é um falso problema” – e em que surgem no panorama político diversas propostas de incentivos à natalidade (são seis as propostas do governo para alteração da actual lei), parece oportuno reflectir sobre algumas vertentes da questão, começando desde logo por enquadrá-la em dados que estão na base da sua relevância.

O rácio actual entre jovens (menos de 15 anos) e idosos (mais de 65 anos) é de 100 para 136, enquanto em 2001 era de 100 para 103. Esta evolução alerta para uma consequência profundamente negativa do fenómeno: a insuficiência de activos no mercado de trabalho para sustentarem as reformas daqueles que já se retiraram desse mercado. Tendência que, a agravar-se no futuro próximo, e as projecções estatísticas existentes assim o prenunciam, contribuirá fortemente para tornar a Segurança Social um projecto que dificilmente poderá ser mantido viável, como o conhecemos.

Este problema, o da natalidade, não é de hoje e explica-se pelo facto de o saldo natural, o mais relevante para enquadrar esta análise, estar a evoluir com taxas negativas, apesar de Portugal se encontrar entre os países com a taxa de mortalidade infantil (no primeiro ano de vida) mais baixa. Esse saldo natural negativo resulta da redução ocorrida na taxa de fecundidade, aliada ao alargamento da esperança de vida. É uma redução que se iniciou mais tarde em Portugal do que em diversos outros países, mas que cresceu a um ritmo mais acelerado relativamente, não tendo beneficiado de qualquer movimento de reversão, ao contrário do que aconteceu em países como França e o Reino Unido, com taxas de fecundidade positivas.

Portugal regista hoje um nível de fecundidade que não assegura o nível de substituição de gerações e, de acordo com as expectativas de especialistas, não deverá recuperar nos próximos 40 anos.

Porque se iniciou, e porque se agravou a redução da taxa de fecundidade, tem a ver sobretudo com situações prevalecentes no universo feminino e atitudes assumidas pela mulher no seu contexto.

Portugal tem uma das mais elevadas taxas (ou idênticas às de países mais desenvolvidos) de mulheres com actividade fora de casa (fora do lar); para muitas mulheres a carreira profissional é considerada um factor de emancipação.

Tudo começou com a guerra colonial – a guerra, sempre ela - período em que a mulher foi mais incisivamente chamada a substituir o homem em variadas profissões. Mas já antes ela exercia muitas vezes actividades extra domésticas, ou como uma extensão do que fazia em casa, no caso das populações rurais, ou com o objectivo de suprir baixos salários dos maridos, os mais baixos da Europa também nessa altura.

Mas foi a 25 de Abril, na Revolução dos Cravos, que ela passaria a ver a actividade não doméstica como um meio de evolução pessoal. E o “título” de “doméstica” em si como uma espécie de estigma social. A revolução de Abril funcionou para a mulher portuguesa como que uma libertação da sua posição social secundária. As suas prioridades têm vindo, neste quadro, a mudar drasticamente, como se veria numa sondagem realizada para uma revista feminina (finais dos anos 70) que dava conta de que apenas uma reduzida percentagem de mulheres, em idade de fazer opções de vida, dizia querer dedicar-se a uma actividade de mãe de família.

Noutro estudo sobre o alargamento do período de licença pós parto, a maioria das mulheres entrevistadas admitiria não ter tirado partido da medida, sobretudo por: receio de ser ultrapassada por colegas numa posição importante; de perder clientes nos casos de uma profissão como a de cabeleireira ou de se ter um pequeno negócio; escapar ao risco de não evoluir na posição, nos casos em que se poderia fazer carreira. Claro que ganhar menos também importava.

Outros estudos davam conta de que, paralelamente, as mentalidades masculinas não mudavam muito, no plano familiar e no do trabalho: “Quando casamos pensamos que elas não vão mudar, elas mudam. Elas pensam que nós mudaremos e não mudamos.”

E a realidade empresarial conhecida hoje dá também conta de que pouco se terá alterado nas mentalidades dos empregadores, quer por sua culpa própria, mas talvez mais por culpa da crise.

A crise, aliás, veio contribuir para um novo redimensionamento de expectativas e de prioridades que importa considerar, quando se pretende mobilizar os casais e, sobretudo a mulher, para a maternidade. E no seu contexto, eis algumas questões que as propostas avançadas pelo Governo suscitam:

- Serão fáceis (e críveis, e desejáveis pelos próprios) de traduzir na prática as alterações no sentido de levar o homem a partilhar, a maior nível, as tarefas da parentalidade? E recearão mesmo os empresários consequências negativas para os seus actos como patrões?

- Não estarão um pouco afastadas da realidade dos envolvidos (e das suas aspirações) as medidas que implicam a troca de remunerações salariais por tempo de apoio familiar disponível? Na situação de precariedade de emprego, ou até da ausência dele, quando o dinheiro tem de ser “esticado” até ao fim do mês (às vezes nem chega) ou, se não for esse o caso, quando o que sobra deve ser guardado, porque se receia o futuro, será motivante esta proposta? E num país em que a cultura do conceito de “part time” tem sido praticamente inexistente?

- Preocupará os pais em potência a primeira fase escolar dos seus filhos ou antes o que é que eles poderão ser ou fazer quando/se se formarem, ou pelo menos, se não abandonarem os estudos? E como os poderão “servir” melhor nos 1ºs anos de vida?

- Não funcionará quase como uma abstracção, aos olhos dos visados, a existência de uma qualquer Comissão Permanente?

A actual problemática da natalidade não vai ter uma solução imediata – mas talvez com um pensamento que incida mais sobre o que é realmente importante considerar para essa solução seja possível principiar, agora, a mitigá-la.

Por isso, e tendo presentes as recomendações avulsas sugeridas por partidos e individualidades, tendo em conta o contexto descrito, seria talvez de destacar como propostas mais motivadoras, mais concretas e a ocorrer sobretudo no curto prazo- que é o que mais importará hoje:

- a melhoria da acessibilidade, a diversos níveis, de redes de creches e sua expansão;

- o cumprimento atempado dos subsídios já existentes para incentivar a natalidade e a sua melhoria em termos financeiros (pelo menos perceptiva), bem como a reformulação dos moldes em que se processa o abono de família;

- a criação de incentivos com significado para os empresários, especialmente na aceitação de profissionais do sexo feminino em certas posições- com ampla divulgação nos meios sociais e a possibilidade do seu controlo no terreno.

E, subjacente à panóplia oferecida, a criação de uma “almofada de confiança” – que talvez só a perspectiva de algum desenvolvimento económico futuro, envolvendo criação de emprego, mitigação do problema da precariedade, mais desafogo financeiro pessoal, minimização de riscos futuros de mais perdas de rendimento, poderá ajudar a criar - para contrapor à alegada “almofada financeira”.

Semi-parafraseando um escritor português recentemente galardoado: “A perspectiva de um futuro é o suficiente para nos fazer acreditar”.

Consultora de marketing e estudos de opinião

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