Sustentabilidade em saúde: o caminho do futuro

Nos últimos 30 anos, o progresso tecnológico e uma atitude de facilitismo geraram hábitos e orientações que levam a que, as instituições de saúde devam questionar algumas das suas metodologias. A sustentabilidade em cuidados de saúde é uma preocupação em todos os países desenvolvidos. De facto, aparece como muito claro que o desenvolvimento dos cuidados de saúde, tal como tem acontecido nas ultimas décadas, não pode ser mantido.

As razões para este facto são diversas, e não apenas financeiras, como apressadamente se poderia julgar. A maioria dos doentes é idosa e portadora de doenças crónicas. Para o tratamento ou acompanhamento destas situações tem de recorrer aos locais de prestação de cuidados de saúde nos hospitais, consultórios e outros locais de cuidados ambulatórios. Porém, um número significativo destes doentes pode e deve ser acompanhada à distância, utilizando uma panóplia muito alargada de metodologias de informação e comunicação.

Se há cerca de dez anos se pensava que estas tecnologias se destinavam apenas às pessoas que viviam muito afastadas dos prestadores de cuidados de saúde, hoje aparecem como uma alternativa apropriada em muitas situações. O acompanhamento de doentes com hipertensão arterial, ou com insuficiência cardíaca, ou a reabilitação são disto exemplos paradigmáticos. Este paradigma de cuidados deverá informar os desenvolvimentos dos próximos anos, e já começou a ser estimulado pela agenda 2020 da Comunidade Europeia.

As suas vantagens são óbvias mas não constituem o nó górdio da melhoria dos cuidados de saúde, nos países desenvolvidos a que pertencemos. Vivemos uma cultura hospitalocêntrica que não é mais justificável. No nosso país
gastamos em saúde cerca de 15 mil milhões de euros, o que corresponde a cerca de 9,5 % do PIB, de que o Estado paga apenas cerca de 2/3. Este valor não é excessivo quando comparado com países mais desenvolvidos, como a Alemanha ou Holanda.

Temos marcadores de qualidade em saúde de que nos devemos orgulhar e que são atingidos com um financiamento que muito nos honra. As taxas de mortalidade infantil, ou de sobrevida, são disso bons exemplos. Porém, ao analisar em maior detalhe os marcadores de qualidade percebemos que os países com maior investimento em saúde, também apresentam melhores marcadores de qualidade, mais sensíveis. A taxa de envelhecimento com qualidade é de 75 anos na Alemanha (país que gasta 11% do PIB em saúde), enquanto em Portugal é de cerca de 65 anos. Esta diferença mostra que há diferenças significativas relacionadas com o montante dos financiamentos.

Seja qual for o valor deste financiamento é indispensável pensar como fazer melhor com os mesmos recursos. Há uns anos, Margaret Chan, da Organização Mundial de Saúde, dizia na sua mensagem de Natal que se racionalizássemos a forma como prestamos os cuidados não seria necessário efectuar cortes na prestação de cuidados de saúde. As razões para fazer esta optimização não são apenas financeiras. Obter uma melhoria da qualidade dos cuidados e reduzir a poluição com origem na prestação dos cuidados de saúde, justificariam, por si, essa necessidade. Tendo uma mais-valia intrínseca, estes aspectos, ao serem melhorados, trazem por si, uma melhoria financeira para as instituições que os implementam.

É sabido que uma parte significativa dos recursos hospitalares, variável de instituição para instituição, é utilizada no tratamento de doentes com complicações ou intercorrências. Assim, uma cultura de autoavaliação e benchmarking apresenta-se como fundamental para a redução de complicações, melhoria da qualidade dos cuidados prestados e consequente optimização financeira.

A poluição ambiental com origem nas instituições de saúde é um facto pouco conhecido. Em Portugal está bem documentado. Em 2011, os hospitais portugueses produziram cerca de 100 toneladas de lixo. Resulta que, em média, cada cama hospitalar dá origem a cerca de sete quilos/dia de lixo, que contribuem para que a pegada ecológica duma pessoa em internamento hospitalar seja cerca de três vezes superior. Tal como nos países mais desenvolvidos teremos que estar mais atentos a estas condicionantes e repensar cada vez mais em medidas de contenção, as quais deverão ser financeiramente compensadores. A adopção de têxteis reutilizáveis, o reprocessamento profissional de alguns dispositivos médicos de uso único e a promoção dos "green hospitals", são apenas algumas das medidas que já documentaram o seu imenso valor.

Finalmente não podemos deixar de pensar na eficiência hospitalar. No nosso país a situação dos recursos hospitalares cresceu em muitas áreas de forma desordenada e injustificada. Acresce que há um desajuste da procura e da oferta, quer em zonas geográficas quer em áreas de cuidados. Reverter esta situação é complexo, difícil, mas deve ser feito. Requer bom senso, capacidade de decisão e autoridade. Sem essa racionalização a eficiência que todos desejamos não será atingida. Promover massas críticas neste momento tecnológico é favorável, porque permitirá ao mesmo tempo contribuir para inverter a atitude hospitalocêntrica, que não é mais justificável.

Este movimento de renovação da forma de prestação de cuidados tem de ser centrado no doente, início e destino dos cuidados de saúde. Tem de ser centrado na pessoa e baseado em cuidados de proximidade. É uma forma de prestação diferente da que é prevalente no nosso meio. Exige uma mudança cultural em que todos os envolvidos no processo têm de ser actores. Os decisores devem entender e promover essa mudança. Mas ela não será uma realidade útil sem o envolvimento de todos os profissionais de saúde, clínicos e não clínicos. Mas só com o empenho e entusiasmo daqueles, esta realidade poderá ser visível em tempo útil.

Director do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, no Porto

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