Suspensa a travessia do Paraguaçú

José Tavares, economista e ex-gestor, decidiu atravessar o Atlântico num barco a remos. Sozinho. A travessia duraria quatro meses mas acabou por desistir. Esta é a quarta crónica.

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O elevado grau de incerteza inerente à atividade foi ampliado por alguma desinformação e alarmismo relativos à meteorologia – a sul da Gran Canária os locais falam de ano atípico (tal como o anterior), com ventos fortes de direção irregular, para a época do ano, sem que os alíseos cheguem a estabilizar. Talvez as alterações climáticas sejam, precisamente, o fator que dificulta a progressão do Paraguaçú.

Para a decisão contribuíram ainda, de forma decisiva, os problemas técnicos; os problemas orçamentais (ultrapassado o orçamento definido) e de tempo disponível previsto; e a questão logística relativa ao apoio nas aproximações a terra (nas Canárias, inexistente; em Cabo Verde, indeterminado; no Brasil, previsto mas eventualmente insuficiente).

Tal como um acidente não se deve, normalmente, a uma única causa mas ao acumular de circunstâncias desfavoráveis, também a decisão tomada não se deve a um único motivo mas à soma de um conjunto de incidentes e condições potencialmente desastrosas. A decisão foi difícil e colocou em confronto um lado racional que quer prosseguir mas reconhece as limitações, e uma parte mais… visceral, que rejeita o enjoo.

A travessia fica assim ‘suspensa’ até que se reúnam condições suficientes para prosseguir.

Quanto aos objetivos da ação desenvolvida, nem tudo se perdeu. Bem pelo contrário:

– O alerta que pretendemos transmitir (a sustentabilidade e a necessidade de maior eficiência energética, o alerta para o excesso de consumo de energias de origem fóssil, a proteção da Amazónia e das florestas em geral) terá porventura beneficiado mais da exposição mediática resultante do episódio do ‘salvamento’ do que teria conseguido com a própria chegada ao Brasil. Esta sede de ‘sangue’ dos meios de comunicação (a agência espanhola de informação fabricou todo um contexto para difundir a ‘noticia’) reduziu-se quando esclarecemos que não houve um resgate – como quem diz “se não há sangue não me interessa divulgar”;

– O Paraguaçú está bem posicionado para futura largada;

– Obtive uma revelação inesperada, ao largo de Fuerteventura, que, junto com a informação e sensações recolhidas nos dias de navegação, me permitirá terminar o livro Ensaio sobre a solidão (como anotei em dado momento, “em três dias vivi todo um leque de experiências que esperava viver em três meses…&rdquo.


Ratifico os agradecimentos a todos os que apoiaram a logística do projeto – Marina de Lagos, CNL, Atelier Gráfico, Nautel, Nivalis, Victory Endurance, Windsurf Point, Paulo César Santos –; aos que contribuíram financeiramente – Euritex, tia Luísa, Amélia H., Sónia B., João Correia, ao pai, à Inês, ao João Pedro, ao Quico –; a todos os que seguiram com interesse as notícias e expressaram o seu apoio e motivação; aos que me acompanharam até à largada em Marrocos e àqueles que torciam pela chegada ao Brasil; à gente estupenda e de grande coração da vila piscatória de Castillo del Romeral (Agu, Ramón, Mundito e restaurante Confradia de Pescadores). Para todos, e principalmente para a inexcedível equipa de apoio – Amadeu Garcia e J.C. Viegas – um ‘imenso’ abraço.


Reflexão para o livro Ensaio sobre a solidão
A propósito de ‘reflexões’, gostaria de recordar aqui uma interessante passagem que deixei no livro Os novos exploradores e a aventura dos sentidos, sobre Joshua Slocum, o primeiro velejador a navegar em solitário ao redor da Terra. Dizia ele que achava ter rejuvenescido dez anos ao fim dos três anos da sua viagem por mar. No seu livro de 1900, Sailing alone around the world, este americano da Nova Escócia, escreveu a concluir: “Aos jovens que pensam em fazer uma viagem, eu diria 'Vão em frente!'. As histórias infelizes são na maior parte um exagero, tal como as dos perigos do mar.”

Não me fio totalmente nestas últimas palavras, especialmente se tiver em conta os terríveis números dos naufrágios da época dos Descobrimentos (exemplificados no mesmo livro) ou o aumento visível da intensidade e frequência das tempestades tropicais …

Roz Savage e Alex Bellini foram outros remadores com cujas histórias me deparei durante a minha pesquisa. Roz estava em ação quando eu comecei a programar a minha travessia… Segui as suas remadas… Foi a primeira mulher a tentar a travessia do oceano Pacífico a remos, e teve que abortar o plano, pouco depois de começar, precisamente devido a uma daquelas tempestades… A 24 de Agosto de 2007, Roz foi recolhida (o barco deixado à deriva) para se recuperar dos ferimentos sofridos durante as voltas que o barco deu dias antes, durante a forte tempestade…

O próprio italiano Bellini estampou um barco contra as rochas das ilhas Baleares, antes de conseguir sair do Mediterrâneo e de chegar ao outro lado do ‘charco’!

Roz Savage, inglesa, ex-consultora de gestão, abandonou a sua carreira profissional, o seu marido e o seu carro desportivo, símbolos da sua vida estável, para se “dedicar às aventuras”.

Continuava a crescer, assim, a lista de afinidades que me unia a estes ‘cruzados dos oceanos’…

O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico. As crónicas de José Tavares são financiadas no âmbito do projecto Público Mais

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