Ex-director do SEF luta em tribunal para não perder salário

Estado quer suspender vencimentos de arguidos do caso dos vistos gold que pertencem à Função Pública, alegando que não comparecem ao serviço por estarem detidos.

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O ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela Palos, pôs uma providência cautelar no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa para impedir que o Ministério da Administração Interna lhe suspenda o pagamento do salário.

Não é o único arguido do caso dos vistos gold a lutar para manter o ordenado: o seu alegado cúmplice no esquema de atribuição de vistos dourados, o ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariados, António Figueiredo, também apresentou um recurso hierárquico ao Ministério da Justiça nesse sentido. Sem sucesso, porém. A outra arguida do caso, Maria Antónia Anes, a antiga secretária-geral do mesmo ministério, ficou em idêntica situação.

Quer António Figueiredo quer os outros ex-altos dirigentes da função pública estão impedidos de se apresentar ao trabalho, o primeiro por se encontrar detido preventivamente na cadeia e os restantes por lhes ter sido decretada prisão domiciliária. São porém presumíveis inocentes perante a lei, uma vez que não foram condenados, não se sabendo sequer nesta altura se o processo em que figuram como suspeitos de corrupção e branqueamento de capitais terá pernas para chegar a tribunal ou se ficará pelo caminho, ilibando-os. Mas é precisamente a lei, mais propriamente uma alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas datada do Verão passado, que invocam o Ministério da Justiça e o da Administração Interna para terem deixado de pagar estes vencimentos. No entendimento dos serviços dirigidos até Novembro pelo inspector Jarmela Palos, as suas “ausências ao serviço por causa das medidas de prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação constituem faltas por motivo não imputável ao trabalhador que, no entanto, determinam a suspensão do vínculo a partir do 30.º dia, com a consequente perda da remuneração”.

A explicação do Ministério da Justiça é semelhante: “O vínculo de emprego público detido pelo licenciado António Figueiredo encontra-se suspenso, e  consequentemente, não aufere, desde esta data em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, qualquer remuneração. O mesmo se aplica à dra. Maria Antónia Anes”. Ambos os organismos apontam a recente disposição legal que determina que seja suspenso o vínculo entre o Estado e o trabalhador caso surja um impedimento temporário causado por um facto que não seja imputável a este último mas se prolongue por mais de um mês, nomeadamente uma doença. “É uma medida excessiva e, do nosso ponto de vista, ilegal, por ser extemporânea”, observa o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Acácio Pereira. É esta organização sindical que está a patrocinar a acção administrativa que Jarmela Palos pôs contra o Ministério da Administração Interna.

Uma fonte próxima dos arguidos dos vistos dourados que não se quis identificar questiona fortemente a suspensão da retribuição e chama a atenção para o facto de isso conjugado com a privação de quaisquer outras fontes de rendimento (bloqueio de contas bancárias ou arresto de bens, por exemplo) e a impossibilidade de trabalhar por causa das medidas de coacção ser ofensivo do Estado de direito, desproporcional e violador da presunção de inocência. “Quase pior, ou pior que uma condenação para o arguido e até para a família numa fase inicial do processo”, observa.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras cita doutrina do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Central Administrativo Sul para sustentar a sua decisão. É toda anterior à alteração legal do Verão passado, altura até à qual apenas era retirado ao funcionário público em situações idênticas um sexto do vencimento, até ao desfecho do processo judicial.

Habituado a defender polícias em tribunal, o advogado Melo Alves já teve muitos clientes com parte do vencimento congelado, e não duvida da legalidade da medida quando ela apenas atinge um sexto do salário: “A presunção da inocência tem alguns limites, e o Estado não está, de facto, a receber a contraprestação [o desempenho laboral] a que tem direito quando paga o ordenado a quem não vai trabalhar”. Já a suspensão de todo o vencimento lhe levanta algumas dúvidas, nomeadamente de proporcionalidade.

O advogado remete para decisões do Tribunal Constitucional, todas também anteriores à nova lei. Numa delas os juízes não acolheram os argumentos de um agente da PSP que alega que a retenção de um sexto do vencimento lhe causa prejuízos de difícil reparação, impossibilitando-o de prover ao seu sustento e às despesas do seu agregado familiar. Ressalvam, porém, que constitui jurisprudência pacífica, no que à privação dos rendimentos do trabalho diz respeito, que o prejuízo pecuniário resultante do congelamento “é de reputar de irreparável, ou, pelo menos, de difícil reparação, se essa privação puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social”.

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