Suspeitas de tráfico de seres humanos em Portugal mais do que triplicaram

Estrangeiros são a maior parte das "presumíveis vítimas". Mas também há 31 portugueses, dos quais 17 menores de idade. Todos os casos confirmados envolvem exploração na agricultura.

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Vítimas confirmadas eram exploradas na apanha da azeitona António Carrapato
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O número de pessoas sinalizadas em Portugal como “presumíveis vítimas” de tráfico de seres humanos mais do que triplicou – de 81, em 2012, para 299, no ano passado. É um aumento de 269%. Uma boa parte das situações (116) continuava a ser investigada pelos órgãos de polícia criminal à data da conclusão do novo relatório do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) do Ministério da Administração Interna.

Ainda assim, a polícia já tinha confirmado 45 vítimas, “todas alvo de protecção, assistência e apoio assistido ao retorno” ao país de origem, lê-se no documento disponibilizado no site do OTSH. Outros 80 casos tinham sido dados como “não confirmados” pelas autoridades.

O acréscimo de sinalizações explica-se, em boa parte, com o aumento das denúncias relacionadas com exploração laboral – sobretudo na agricultura. E sobretudo no Alentejo.  Aliás, todos os casos já confirmados pela investigação criminal “reportam-se unicamente a vítimas exploradas no distrito de Beja”, todos cidadãos romenos envolvidos na apanha da azeitona. Eram alvo de ameaças e coacção. Muitos viram os seus documentos serem-lhe sonegados, alguns eram fisicamente agredidos e tinham os movimentos controlados, descreve o relatório. Chegaram a Portugal por via terrestre.

Em Santarém, há suspeitas de tráfico de pessoas também para exploração na agricultura, neste caso apanha da ervilha, prossegue o documento. São 62 as “presumíveis vítimas”.

O OTSH sublinha a necessidade de se dar especial atenção “a acções de fiscalização em territórios/sectores onde poderá ocorrer o aproveitamento criminoso da necessidade de trabalho migrante sazonal”. Como é o caso da agricultura, precisamente.

Reforços no terreno
Muitos das situações sinalizadas “já poderão ter ocorrido noutros anos”, faz-se questão de sublinhar no documento, que tem a data de Abril de 2014. “Estes dados indiciam não um aumento do crime em território nacional”, mas um “aumento da sua sinalização em resultado da capacitação institucional para o seu reconhecimento e alargamento das redes colaborativas”.

Rita Penedo, chefe de equipa no OTSH, diz que é preciso esperar “algum tempo” até que se perceba se há ou não uma tendência para o aumento deste crime em território nacional. Para já, o que aconteceu, sublinha, foi “um conjunto de acções, em 2013, que reforçaram” e sensibilizaram quem está no terreno para este tipo de fenómeno – desde a criação no SEF de uma unidade contra o tráfico de pessoas até à entrada em funcionamento de um grupo de equipas multisciplinares que, em diferentes pontos do país, colaboram com entidades públicas e organizações não-governamentais para a sinalização de eventuais vítimas deste crime.

O relatório dá ainda conta de 58 casos sinalizados a outras entidades que não as polícias – organizações não-governamentais, Instituto de Segurança Social e Autoridade para as Condições do Trabalho. Estes casos não estão a ser alvo de investigação policial porque as vítimas não querem que a sua situação seja denunciada às autoridades ou porque os processos estão ainda no início e não foram comunicados às autoridades. De resto, uma dúzia de suspeitas registadas por estas entidades acabaram por não se confirmar.

49 crianças e jovens sinalizados
Os números gerais do relatório mostram o seguinte cenário: entre as 299 pessoas sinalizadas como sendo potencialmente vítimas de tráfico em Portugal há 49 menores e 250 adultos. A maioria são estrangeiros. Os romenos são os mais representados (185 sinalizações, incluindo seis menores com uma média de idades de oito anos), mas também há cidadãos da Guiné-Bissau, Nigéria, Brasil, Bulgária...

Quanto a portugueses sinalizados como potenciais vitimas de tráfico de seres humanos, em território nacional, são 31, dos quais 17 menores de idade (com uma média de 13 anos).

Há ainda nove cidadãos portugueses sinalizados no estrangeiro como potenciais vítimas – o que representa uma redução de 80% em relação às sinalizações feitas em 2012, segundo o relatório: “O decréscimo de sinalizações no estrangeiro é explicável pela ausência de grandes ocorrências no estrangeiro durante 2013: em 2012 uma só ocorrência envolveu 35 presumíveis vítimas (suspeita de exploração laboral na Alemanha).”

Se no caso dos 250 adultos sinalizados a suspeita de exploração laboral era a mais frequente (ela está presente em 198 denúncias feitas em Portugal), entre as crianças e jovens é a de exploração sexual. As presumíveis vítimas são, em geral, meninas, entre os 13 e os 17 anos, da Nigéria, Guiné-Bissau e também algumas portuguesas.

O relatório resume assim a situação das presumíveis vítimas menores de idade: “Os 27 registos em fase de investigação por órgãos de polícia criminal referem-se a possíveis situações de tráfico para exploração sexual (17), exploração da mendicidade (7) e adopção/venda de menores (3).” Quatro sinalizações não se confirmaram. Já os 15 sinalizações feitas em ONG incluem cinco casos de possíveis vítimas de tráfico para exploração sexual (5), exploração laboral e prática de actividades criminosas. Três sinalizações acabaram por não se confirmar.

Em geral, as crianças e jovens sinalizadas recebem apoio (como o acolhimento em lares), mas, ainda assim, em seis casos os menores não receberam qualquer tipo de assistência.

Até ao ano passado o crime de tráfico de pessoas estava circunscrito a tráfico para fins de exploração laboral, sexual ou de extracção de órgãos. A nova noção de tráfico de seres humanos inclui também a exploração para actividades criminosas.

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