Suécia mostra a Portugal como as estradas podem minimizar o erro humano

Programa de sinistralidade sueco colocou o país entre aqueles em que menos gente morre na estrada. Portugal quer aprender com o Visão Zero a apostar em formas que reduzam as falhas humanas com ajuda da tecnologia.

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Os custos económicos e sociais dos acidentes chegaram a 1890 milhões de euros em 2010 Rui Farinha

Primeiro Estrada Nacional 16, depois IP5 e finalmente A25. A auto-estrada que agora liga Aveiro a Vilar Formoso pode funcionar como história destas vias em Portugal e, consecutivamente, da sinistralidade. Depois da passagem a itinerário principal, para dar resposta às necessidades de deslocação mais rápida, começou a ser questionado o conforto e a segurança do trajecto devido ao elevado número de mortos e, em 2007, o IP deu origem à auto-estrada. O número de acidentes melhorou nesta via, como em todo o país. Mas Portugal ainda está longe do exemplo da Suécia, que veio nesta terça-feira a Lisboa contar numa conferência a experiência alcançada com o programa Visão Zero.

O caso da A25 é recordado pela directora do Departamento de Segurança Rodoviária da Estradas de Portugal, Ana Tomaz, para quem o programa sueco traz sobretudo uma grande lição. “A Suécia veio demonstrar com a Visão Zero que sermos exigentes traz bons resultados. Foi isso que os posicionou e nós também estamos a caminhar para essa fase. O exemplo da A25 mostra isso”, disse ao PÚBLICO. Mas qual o segredo do programa criado em 1997 para que os suecos se tenham colocado no topo dos países da União Europeia com menor taxa de sinistralidade? “Deixar de colocar o foco no erro humano e pensar antes como é que as estradas o podem minimizar”, sintetizou ao PÚBLICO Anders Lie, especialista da Trafikverket – Administração de Transportes da Suécia.

“O próximo desafio de Portugal não é construir estradas novas. É caminhar para a chamada 'estrada tolerante', ou seja, com as estradas que temos vamos criar condições para a estrada ser auto-explicativa. Isto significa estar bem sinalizada e bem marcada e com áreas adjacentes livres no caso de haver um despiste, porque o erro humano vai sempre existir”, completou Ana Tomaz. Para a especialista, o programa Visão Zero deve muito do seu sucesso a uma mudança de foco que Portugal também precisa de fazer. “O que queremos é que a estrada evite o erro humano, ou, não conseguindo, que evite pelo menos a gravidade desse erro humano. É isso que é ser uma estrada tolerante”, acrescentou.

Anders Lie admite que muito do sucesso sueco se deve ao facto de terem deixado de ver o carro como “rei no planeamento rodoviário” e de terem deixado de pensar na redução de acidentes com programas apenas voltados para o condutor. “Um sistema seguro absorve o erro, em vez de voltar sempre o dedo para o condutor”, defendeu. Multas mais pesadas, aumento dos radares e câmaras de controlo de velocidade, mais sinalização e equipamento que monitoriza em tempo real o que se passa nas estradas foram alguns dos exemplos dados pelo especialista na conferência que decorreu na sede da Estradas de Portugal sob o mote A inovação e as novas tecnologias na segurança rodoviária.

No encontro, do lado da indústria vieram também muitos exemplos de inovações que os carros começam a trazer e que são úteis para os condutores e autoridades: monitorização do terreno e partilha de informação em tempo real, assim como alertas sonoros ou vibratórios quando o condutor passa um traço ou berma e travagem automática perante a aproximação a um obstáculo são as maiores novidades e apostas.

“O que queremos é uma mudança de mentalidades”, reforçou Ana Tomaz. Uma ideia corroborada por Anders Lie, para quem mais do que as medidas suecas o importante é haver uma cultura de “filosofia de segurança” que coloque todos os meios de transporte em pé de igualdade e o peão no centro do sistema. Lisboa está muito longe disso, alerta Lie. As alterações que têm um percurso com quase 20 anos traduzem-se em números concretos: o total de mortos nas estradas suecas caiu quase 80% desde que surgiu o Visão Zero e o objectivo é reduzir o valor ainda em mais 50% até 2020, para o país chegar a essa data com pouco mais de 130 mortos. Isto, apesar de circularem cada vez mais pessoas.

Actualmente a Suécia tem um total de cerca de três mortos por cada 100 mil habitantes, quando os dados de 2010 da Organização Mundial de Saúde indicavam que Portugal tinha 11,8 pessoas por 100 mil habitantes, com mais de 900 mortos. Valores que, contudo, já melhoraram, com o último relatório da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) a apontar para um balanço provisório de 480 mortes em 2014. Aliás, no ano passado registaram-se menos mortos nas estradas portuguesas, mas mais acidentes de viação, tendo também subido o número de feridos graves.

Os acidentes rodoviários acarretam também um elevado custo para Portugal em termos económicos e sociais. Um estudo que calculou valores com base no número de mortes de 2010 apontou para que este preço tenha ascendido a 1890 milhões de euros, o que corresponde a 1,17% do produto interno bruto. Se somarmos os custos de todos os anos desde que a Suécia tem o seu programa, então o valor português alcança entre 1996 e 2010 mais de 37 mil milhões de euros. “São custos que não fazem sentido. O nosso lema na Suécia é que é inadmissível uma vida perdida na estrada”, lembra Anders Lie.

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