Sócrates em prisão preventiva

O anúncio foi feito na noite desta segunda-feira pelo advogado do ex-primeiro-ministro e confirmado pelo Tribunal Central de Instrução Criminal. Dois outros arguidos ficam em prisão preventiva. Já o advogado Gonçalo Trindade Ferreira está impedido de se ausentar para o estrangeiro.

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O ex-primeiro-ministro José Sócrates ficou nesta segunda-feira sujeito à medida de coacção mais grave: prisão preventiva. Esta foi a decisão do juiz Carlos Alexandre, depois de um interrogatório que começou no sábado e que se prolongou até segunda-feira no Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça, em Lisboa.

A decisão acontece depois de Sócrates ter sido detido na sexta-feira e os restantes três arguidos um dia antes. O antigo governante tem estado nos calabouços do Comando Metropolitano da PSP e os restantes na PJ.

Face ao resultado da inquirição, Sócrates está indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais.

A João Perna, motorista do ex-governante que teria como função o transporte de dinheiro vivo entre Portugal e Paris, foram imputados os crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e detenção de arma proibida. O motorista ficou em prisão preventiva.

Ao advogado Gonçalo Trindade Ferreira, que ficou proibido de contactar com outros arguidos no processo, de se ausentar para o estrangeiro e obrigado a apresentações bissemanais no DCIAP, são imputados os crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Ao ex-administrador do Grupo Lena Carlos Santos Silva, que também ficou em prisão preventiva, também são imputados os mesmos crimes, acrescentando-se o de corrupção. 

No comunicado do tribunal o juiz Carlos Alexandre invoca a “excepcional complexidade” do caso, o que permite, de acordo com o Código de Processo Penal, alargar os prazos máximos de prisão preventiva em que os arguidos deste processo irão aguardar julgamento. As medidas foram avançadas aos jornalistas pela escrivã Teresa Santos, “a fim de salvaguardar a tranquilidade pública e não obstante o segredo de justiça vigente”.              

João Araújo adiantou que, caso o cliente não diga nada em contrário, vai recorrer da decisão. O advogado disse também que não concorda com a medida de coacção, reforçando que, ainda que seja comum dizer isto, o faz "de forma sentida". "O senhor juiz decretou a prisão preventiva do meu constituinte, engenheiro José Sócrates. As razões que o tribunal tem ser-vos-ão comunicadas pelo tribunal. A decisão é injusta e injustificada. Irei interpor recurso”, disse à porta do Tribunal Central de Instrução Criminal o advogado João Araújo. O advogado não quis dizer mais nada, mas salientou as condições injustas em que trabalham os jornalistas no Campus de Justiça.

Decorreram 14 horas desde que José Sócrates chegou ao Campus de Justiça nesta segunda-feira até ao momento em que o seu advogado fez a declaração mais esperada desde o final da semana passada: o ex-primeiro-ministro ficou sujeito à medida de coacção mais gravosa. A declaração, que tinha sido prometida pelo tribunal, acabou por ser feita por João Araújo, que de imediato abandonou o local. Eram 22h22 quando o advogado comunicou a decisão de Carlos Alexandre.

Pouco depois, a escrivã Teresa Santos lia o comunicado oficial – que chegou a ser prometido para as 18h30 e que foi sucessivamente adiado, o que levou os jornalistas a fazerem do chão as vezes de cadeiras, com comida encomendada à última hora, e a levantarem-se em avalanche sempre que uma porta era aberta ou se ouviam passos acelerados.

Ao contrário de sábado e de domingo, João Araújo passou mais tempo do que o habitual fora do edifício do Tribunal Central de Instrução Criminal, pois só quase ao fim da tarde o advogado conseguiu começar a contra-argumentar as medidas de coacção promovidas pelo procurador Rosário Teixeira. Já José Sócrates e os outros três arguidos passaram a maior parte da tarde nos calabouços do Campus de Justiça. Com uma diferença: segundo apurou o PÚBLICO junto de fonte do tribunal, João Perna, Carlos Santos Silva e Gonçalo Trindade Ferreira ficaram em celas, enquanto o antigo líder do PS ficou numa sala.

Ao contrário dos comentários inusitados feitos nos dias anteriores, desta vez o advogado não quis prestar quaisquer declarações colectivas e manteve-se mais reservado para as câmaras durante todo o dia – depois de no sábado se ter apresentado aos jornalistas como “advogado estagiário”, de dizer que ia “ver montras” e que precisava de “sopas e descanso”. No domingo, na despedida, tinha também repetido várias vezes: “José Sócrates está melhor que eu.” E pediu ajuda para encontrar o seu carro.

Durante a parte da tarde, enquanto o Ministério Público promovia as medidas de coacção que só seriam conhecidas ao final da tarde, o advogado de José Sócrates criticava ao PÚBLICO o “arraial mediático” que estava a decorrer à volta do caso com o seu cliente. Escusando-se a avançar previsões sobre o desfecho do dia, João Araújo explicou que tem sido contactado na rua por vários populares que lhe manifestam apoio ao antigo governante, sendo raros os cidadãos que se dirigem ao advogado para apontar críticas a José Sócrates. Porém, João Araújo considerou que o “mediatismo” – neste e noutros processos – pressiona a Justiça e condiciona as decisões.

Sócrates deverá ir para Évora
O ex-primeiro-ministro deverá ficar detido em Évora, onde existe um estabelecimento prisional destinado não apenas a polícias e outras pessoas que exercem ou exerceram funções nas forças e serviços de segurança como a quem necessitar de “especial protecção”. 

A decisão cabe ao director-geral de reinserção e serviços prisionais, que terá de avaliar se a segurança de José Sócrates fica posta em causa, caso seja colocado numa prisão comum. É também em Évora que está detido preventivamente o ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Manuel Jarmela Palos, suspeito de corrupção passiva no caso dos "vistos dourados".

José Sócrates está a ser investigado no âmbito de um inquérito sobre suspeitas de crime de fraude fiscal, de branqueamento de capitais e corrupção, aberto na sequência de uma "comunicação bancária" que terá sido prestada pela Caixa Geral de Depósitos às autoridades judiciais. Foi detido no aeroporto da Portela, na sexta-feira, quando regressava de Paris para Lisboa, no quadro de uma operação a que a Polícia Judiciária deu o nome de Marquês.

Sócrates, de 57 anos, foi primeiro-ministro de Portugal entre Março de 2005 e Junho de 2011. Foi o primeiro socialista a governar com maioria absoluta, tendo deixado o Governo após o pedido de ajuda à troika de credores internacionais em Junho de 2011. Depois dos mais de seis anos de governação, Sócrates mudou-se para Paris, onde estudou, afastando-se da vida política portuguesa. Em Março de 2013, regressou à ribalta, com uma entrevista à RTP, e em Abril desse ano tornou-se comentador da estação pública, com um programa semanal, ao domingo.

Nessa entrevista à RTP, Sócrates foi confrontado com as acusações de ter uma vida de luxo em Paris. “Tenho uma só conta bancária há mais de 25 anos. Nunca tive acções, offshores, nunca tive contas no estrangeiro. A primeira coisa que fiz quando saí do Governo foi pedir um empréstimo ao meu banco”, explicou então.

O nome do ex-primeiro-ministro já tinha sido envolvido em alguns processos judiciais, como o licenciamento do empreendimento Freeport em Alcochete e as polémicas escutas do processo Face Oculta, mas nunca a Justiça tinha ido tão longe em relação a Sócrates.

“Um caso inédito na história da nossa democracia”
Para o constitucionalista José Fontes, tem de haver “indícios muito fortes” de actividade criminosa para o juiz Carlos Alexandre ter decretado a prisão preventiva de José Sócrates.

“Na história recente de Portugal é algo inédito”, observa, referindo o caso de Sarkozy, preso preventivamente no Verão passado por suspeitas de tráfico de influências e violação do segredo de justiça, como um dos poucos do género a nível europeu. O que se passou em Portugal “demonstra que as instituições estão a funcionar, independentemente de se tratar ou não de políticos que estão em causa”.

Segundo José Fontes, se o processo não tiver “pernas para andar” – seguindo para julgamento, com eventual condenação dos arguidos –, isso também não significará o descrédito da Justiça: “Todos os dias há pessoas absolvidas em tribunal” Já o PS fica em maus lençóis, observa, numa altura em que levava a cabo uma reabilitação da figura de Sócrates. “O seu legado estava a ressuscitar, como se vê pelas figuras que ascenderam à primeira linha com António Costa, como Ferro Rodrigues”, o novo líder da bancada parlamentar. A partir de agora, “cada vez que levantarem a voz contra o Governo vão ouvir falar de Sócrates”.

“E o Governo precisa da existência de uma oposição forte”, faz notar o analista político, para quem os socialistas vão ter de arranjar grande capacidade de resiliência.

“É um caso inédito na história da nossa democracia”, refere também Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Encarando o sucedido como “um sinal de afirmação do poder judicial e de que não há intocáveis”, a especialista sublinha que, com esta decisão, foi elevada a fasquia das expectativas que a sociedade deposita na Justiça. Os agentes do sistema judicial viram a sua legitimidade social reforçada, ao mesmo tempo que aumenta o fosso entre os cidadãos e os políticos, por via da descredibilização destes últimos.

Opinião diferente tem o professor de direito penal Costa Andrade: “Do ponto de vista criminal esta detenção não altera nada. Não é relevante.” Reconhece, porém, tratar-se de um facto inédito por estar em causa um ex-primeiro-ministro. “A decisão de detenção não significa nada relativamente à culpa do arguido, mas apenas que o juiz de instrução considerou que era a melhor forma de assegurar a eficácia da investigação.” 

Em casos de especial complexidade, como este, a prisão preventiva pode durar até um ano, mas Costa Andrade refere que José Sócrates não tem de ficar preso até um eventual julgamento: “Antes disso pode ser-lhe decretada uma medida de coacção menos gravosa.” Se o juiz entender que deixou de haver perigo de destruição de provas ou de continuação da actividade criminosa, por exemplo. “A comunicação social criou uma grande bolha em torno das medidas de coacção”, resume o penalista. “Já do ponto de vista político vai ter consequências dramáticas”, reconhece. “Desde logo para o destino pessoal do arguido.”

Num comentário na TVI24, a bastonária dos advogados, Elina Fraga, chamou a atenção para o facto de ainda ser desconhecida a versão que José Sócrates e o seu advogado apresentam dos factos. “O que é perigoso”, assinala, defendendo que o segredo de justiça deixe de existir neste caso, uma vez que foi violado ao longo dos últimos dias. O penalista Paulo Sá e Cunha, por seu lado, lamentou que o comunicado do juiz Carlos Alexandre lido pela funcionária judicial não tenha “adiantado rigorosamente nada” em relação ao que já se sabia sobre o caso.

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