Sobre os maus usos dos rankings

Como já é habitual, com o São Martinho e as castanhas chegam os rankings das escolas, listas em que estas aparecem ordenadas com base nas notas obtidas pelos seus alunos nos exames nacionais.

Todos reconhecem que esta é uma forma grosseira, insuficiente e simplista de avaliar as escolas. No entanto, continuam a ser investidos muitos recursos na sua elaboração, como se continua a invocar a utilidade da sua divulgação junto das famílias argumentando-se que assim se induz uma competição entre escolas que contribui para a melhoria das suas práticas e resultados.

Qual tem sido, na verdade, o impacto no sistema educativo da divulgação desta informação? As famílias têm hoje melhores condições para escolher? As escolhas das famílias melhoram o funcionamento das escolas? Os rankings traduzem-se em melhorias nos resultados dos alunos?

1. A divulgação dos rankings, tal como dos relatórios do PISA, tiveram o mérito de trazer para a agenda das escolas e dos professores o objetivo da melhoria dos resultados escolares dos alunos. Sabemos, todavia, que a melhoria desses resultados exige muito mais. Exige políticas públicas orientadas para esse objetivo. As escolas só poderão enfrentar com sucesso o desafio da melhoria dos resultados se lhes forem proporcionados meios e instrumentos de gestão adequados a um novo mandato explicitamente formulado, bem como a autonomia necessária para uma utilização eficaz desses novos meios e instrumentos. Autonomia com responsabilização, o que requer não só regulação e monitorização pelo ministério como abertura à participação e ao escrutínio de proximidade, envolvendo famílias e autarquias.

2. Ao contrário do que se tem argumentado, não foram as famílias que ficaram com mais informação para escolherem a escola dos seus filhos. Foram as escolas que passaram a ter mais facilidade para escolher e para reservar lugares para os melhores alunos, ou seja, para selecionar aqueles com quem o trabalho pedagógico é mais fácil. Os restantes alunos, com os quais o trabalho pedagógico é verdadeiramente mais difícil, ficam nas escolas que não escolhem os alunos. Muitas famílias passaram já pela experiência de serem “aconselhadas” a escolher outro estabelecimento para os seus filhos porque os resultados menos bons destes comprometiam a posição da escola nos rankings. Neste sentido, a competição introduzida foi negativa, porque, em vez de melhorar a qualidade do trabalho pedagógico, melhorou sobretudo os mecanismos de seleção dos alunos e aumentou a desigualdade escolar. A tendência continuará a ser as escolas “boas” ficarem melhores com um esforço mínimo, porque selecionam os melhores alunos, e as escolas “menos boas” enfrentarem cada vez mais dificuldades, sobretudo se faltarem políticas de apoio e de discriminação positiva.

3. A inexistência de uma avaliação séria e rigorosa das escolas, do seu desempenho, eficiência e eficácia, tem-se traduzido numa hipervalorização do único instrumento publicamente conhecido: os rankings. E o uso menos cuidado dos rankings tem contribuído para difundir uma imagem negativa das escolas públicas, apontadas como excessivamente caras e ineficientes, com piores resultados e funcionamento do que as privadas. Uso menos cuidado ou uso politicamente deliberado, como o que o atual Governo faz quando, no designado “Guião para a Reforma do Estado”, usa explicitamente o argumento dos rankings para justificar a sua preferência pelas escolas privadas. Preferência que se concretiza com a aprovação de medidas que, objetivamente, favorecem a escola privada e desfavorecem a escola pública. Vão nesse sentido decisões governamentais que:

• por um lado, diminuem a autonomia das escolas públicas, eliminando a margem de liberdade de que estas dispunham para estabelecerem parte do currículo e para definirem as suas ofertas formativas;

• por outro, concedem liberdade sem restrições e sem condições a todas as escolas privadas, as quais passam a ter total autonomia pedagógica, administrativa e financeira, independentemente da qualidade do seu trabalho e dos seus recursos;

• por um lado, acabam, nas escolas públicas, com todos os programas de melhoria da qualidade do ensino e dos resultados escolares, como o plano de ação para a matemática e os planos de recuperação dos alunos com dificuldades de aprendizagem;

• por outro, aumentam os recursos financeiros transferidos para as escolas privadas e melhoram as condições do seu financiamento futuro;

• por um lado, retiram às escolas TEIP a autonomia de contratação de professores e acabam com a possibilidade da sua colocação plurianual, justamente naquelas escolas onde essa possibilidade podia fazer a diferença uma vez que são as que enfrentam maiores dificuldades pedagógicas;

• por outro, reduzem ou eliminam os mecanismos de responsabilização, avaliação e prestação de contas instituídos, incluindo a avaliação das escolas.

Em minha opinião, estas decisões são erradas. São erradas, em primeiro lugar, porque agravam os problemas que temos de insucesso, abandono e desigualdades escolares. São erradas, em segundo lugar, porque servem para alimentar, de forma incorreta e baseada em preconceitos, a oposição entre escola pública e escola privada.

O problema não está pois nos rankings, mas no mau uso que deles se faz.

Maria de Lurdes Rodrigues é presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.

Leia mais no suplemento de 48 páginas sobre os Rankings com a edição impressa deste sábado.

Especial Rankings em http://www.publico.pt/ranking-das-escolas

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