Só 8% dos portugueses não têm filhos nem querem ter, a maioria vai adiando

Novos dados do inquérito à população em idade fértil feito em 2013. Desigualdades entre homens e mulheres são prejudiciais à concretização dos planos de ter filhos.

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Os resultados finais do Inquérito à Fecundidade de 2013 permitem dar respostas, por vezes algo surpreendentes, a várias perguntas muito comuns. Em 2012, Portugal foi o país da União Europeia com o menor índice de fecundidade. Será que o portugueses estão a desistir do projecto de parentalidade? A resposta é “não”, diz a demógrafa Maria João Valente Rosa: “Apenas 8% dos residentes no período fértil em Portugal não têm nem pretendem vir a ter filhos.” De resto, Portugal, comparando com outros países, está longe de ter muita gente avessa à ideia de ser pai ou mãe (na Holanda chegam a ser 18%). “Ter pelo menos um filho é uma ambição da maioria.”

A questão é que os portugueses adiam cada vez mais esse momento (as mulheres sem filhos prevêem ter o primeiro aos 31 anos e os homens aos 33). E não só adiam, como também, cada vez mais, “ficam-se pelo filho único”. “No Norte da Europa, as pessoas adiam igualmente, mas quando decidem ter filhos, têm mais do que um”, continua Valente Rosa. Já os portugueses pensam de maneira diferente: “É preferível ter só um filho com mais oportunidades e menos restrições do que ter mais”, dizem.

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Outra pergunta: “A população de Portugal não tem um número elevado de filhos porque não pode ou porque não quer?” Resposta: “É mesmo porque não quer." Explica a demógrafa: "A intenção e o desejo de descendências numerosas não existe para a esmagadora maioria da população. Em média, as pessoas pensam vir a ter no máximo 1,8 filhos”. E, num mundo perfeito, admitem que gostariam de ter 2,3, mas não mais do que isso. Nada de famílias maiores (seja como for, o valor de 2,3 filhos por mulher já garantiria a substituição das gerações).

E será que as gerações mais novas desejam menos ter crianças do que as mais velhas? E que os mais escolarizados querem ter menos filhos? Não e não, é a resposta, uma vez mais.

Se olharmos para a população com menos de 30 anos, para o número de filhos que já têm e para os que esperam ainda ter, constata-se que “a fecundidade final esperada” é de 1,9 filhos para as mulheres e de 1,8 filhos para os homens, “enquanto no caso do grupo 40-49 anos é de 1,7 filhos, tanto para os homens como para as mulheres.” Ou seja, se estas gerações mais novas concretizassem as suas intenções, Portugal até poderia deixar de ser, num futuro próximo, um dos países com mais baixa fecundidade do mundo.

Só mais uma pergunta que Maria João Valente Rosa ouve com frequência: “É verdade que não existe uma verdadeira partilha de responsabilidades entre pais e mães?”

O inquérito não deixa margem para dúvidas: é verdade. A desigualdade é mesmo apontada pela especialista como um dos inimigos do nascimento de crianças — isto, num país onde 36% das mulheres e 46% dos homens acham que as crianças até à idade escolar saem prejudicadas quando as mães trabalham fora de casa. Mas já regressamos a este ponto.

“Medidas avulsas”
O Inquérito à Fecundidade resultou de uma parceria entre o Instituto Nacional de Estatística (INE) e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Os primeiros resultados foram divulgados no final de 2013. Agora, há mais informação disponível nos sites das duas instituições. E um relatório detalhado.

Valente Rosa, responsável científica pela área da FFMS “População”, começa por notar ao PÚBLICO que o inquérito foi feito “num momento muito particular, de crise” e que isso ajudará a explicar “o adiamento dos filhos” por parte das pessoas que estão “à espera de melhores condições” — para a maioria dos portugueses ter filhos pela primeira vez, ou mais filhos dos que já existem, é algo que está em aberto: 75% não esperam que aconteça nos próximos três anos.

“Mas trata-se de adiar, não é uma desistência”, insiste a demógrafa que nota que, agora, é preciso estar atento às políticas que vão ser adoptadas para promover a natalidade — “Não temos tido políticas de natalidade, temos tido medidas avulsas”, lamenta.

Vanessa Cunha, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, passa em revista dados e políticas dos últimos anos no primeiro capítulo do relatório do INE e da FFMS. E sublinha o seguinte: “Tem-se verificado uma deterioração de condições reconhecidamente propícias ao acesso e ao exercício da parentalidade, como a instabilidade e a precarização do mercado de trabalho e o desemprego ou a redução dos níveis de bem-estar das famílias, por via da quebra dos rendimentos, dos benefícios e dos apoios públicos.” E conclui: “Se somarmos a esta equação os altos níveis de emigração económica, com impacto directo no contingente de população em idade de constituir família, e o facto de as decisões reprodutivas estarem a ser intensamente adiadas, não se avizinha para breve o fim do declínio da fecundidade em Portugal.”

Valente Rosa acredita que as políticas podem fazer a diferença. Mais de metade dos inquiridos (54% das mulheres e 58% dos homens) referem que o mais importante, para incentivar a natalidade, seria “aumentar os rendimentos das famílias com filhos”. Em segundo lugar aparece a medida “facilitar as condições de trabalho para quem tem filhos, sem perder regalias”, com perto de 36% das mulheres e 27% dos homens a dar esta resposta.

Joaquim Azevedo, professor catedrático da Universidade Católica, o nome escolhido por Pedro Passos Coelho, na qualidade de líder do PSD, para coordenar um grupo de trabalho que deverá apresentar propostas de medidas de promoção da natalidade, não se surpreende. Mas diz que medidas que tenham a ver com os rendimentos não bastam. Em breve, diz, o seu relatório deverá estar concluído e será entregue a Passos Coelho, para ser tornado público em meados de Julho.

Homens, mulheres
Não basta apoios monetários, diz também Valente Rosa. E sublinha, por exemplo, a importância de “trabalhar” a questão da igualdade entre homens e mulheres, envolvendo todos, “governo, empresas, cidadãos, famílias”. É que este continua a ser “um assunto mal resolvido na sociedade portuguesa”, mesmo entre os grupos mais jovens.

Há empresas que continuam a perguntar a mulheres, em entrevistas de emprego, se pretendem engravidar; é sobre as mulheres que recai ainda grande parte das tarefas com as crianças (o inquérito conclui que são elas quem se encarrega, no essencial, daquilo que mais colide com o trabalho, como por exemplo “ficar em casa quando os filhos estão doentes” — em mais de 65% dos casos são elas). E “também os mais jovens, se bem que menos intensamente, consideram que as mulheres, quando são mães, devem estar mais próximas dos filhos, e que os homens, quando são pais, devem estar mais próximos do trabalho”. Tudo dados do inquérito.

Ora, lembra Valente Rosa, tem havido uma aposta das mulheres em afirmarem-se no espaço social e profissional. Num contexto de incerteza económica, as dificuldades de conciliação entre trabalho e família “podem transformar-se num factor fortemente penalizador para a capacidade de concretização das intenções dos planos de fecundidade”.

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