SNS: integração e descentralização

Refundar o SNS não pode significar nunca colocar em causa os valores centrais do nosso sistema de saúde.

Em 2015 o Serviço Nacional de Saúde desceu no ranking dos sistemas de saúde dos países desenvolvidos, de acordo com o Health Consumer Powerhouse 2015 Report. Apesar de a descida não ser dramática em termos absolutos, numa perspetiva relativa baixámos sete lugares, passando do 13º para o 20º lugar em trinta e cinco países avaliados. E este facto, a par de aspetos dramáticos que ocorreram recentemente em diferentes hospitais portugueses (por exemplo no Hospital de São José), devem-nos fazer pensar sobre as raízes do problema.

Note-se que Portugal dispõe de excelentes profissionais de saúde. Os nossos médicos, enfermeiros, e restantes profissionais de saúde encontram-se ao melhor nível europeu e são aliás recrutados internacionalmente pela excelência das suas qualificações. Também não é por falta de infraestruturas. Portugal tem hoje magníficos hospitais, centros de saúde modernos e evoluídos e institutos de investigação de nível internacional. Então o que é que falha? Basicamente a organização e o planeamento estratégico. E por isso é necessário refundar o sistema de saúde.

Melhorar a qualidade da gestão implica otimizar os modelos de gestão existentes com vista a racionalizar recursos e combater o desperdício. Por exemplo, através de uma integração descentralizada. Este modelo preconiza não maiores investimentos (ainda que possa ser necessário investir nalguns setores), mas uma melhor articulação funcional, de modo a que os recursos sejam efetivamente disponibilizados em tempo útil a todos os cidadãos. E uma articulação de base regional, não de nível nacional.

Esta perspetiva exige duas reformas. Primeiro que exista um planeamento estratégico adequado de modo a programar-se a longo prazo (pelo menos dez anos) as necessidades do país, em termos de recursos humanos e de instalações e equipamentos. Por exemplo, andou-se durante décadas a afirmar que existia falta de médicos, os numerus clausus foram aumentados substancialmente face a esta pressão social, mas hoje já existem médicos no desemprego. Médicos sem perspetivas de formação especializada e forçados a emigrar ou a exercer a profissão de um modo indiferenciado, com os riscos que esta situação comporta para os doentes e a sociedade. O planeamento é portanto essencial. Por outro lado, é evidente a necessidade de uma mudança no paradigma de gestão, compaginando a gestão empresarial dos serviços de saúde (modelo que deve aliás ser aprofundado) com uma integração em rede a nível regional. De modo a que o acesso à saúde, incluindo as modalidades de diagnóstico e tratamento hiperespecializadas, seja garantido a todos, e em todo o território nacional.

Mas refundar o sistema de saúde não pode significar nunca colocar em causa os valores centrais do nosso sistema de saúde, nomeadamente a universalidade do acesso e a garantia de que ninguém será injustificadamente discriminado ou excluído do sistema.

Professor universitário, presidente da Associação Portuguesa de Bioética e ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde

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