Sínodo da família: ousadia e liberdade de expressão

Agora, é tempo dos teólogos e o mínimo que se pode esperar é uma reflexão teológica fiel, livre, ousada e sem medo.

Creio que nunca a designação de Assembleia Extraordinária foi tão apropriada para qualificar o sínodo dos bispos sobre família. Nisto, estou certo, até os padres sinodais estarão de acordo. Mas o que é que faz deste sínodo um momento extraordinário na vida da Igreja? A possibilidade de todos participantes falarem claro, sem hesitações e sem medos, “a ousadia da franqueza” tal como o Papa Francisco pediu na abertura dos trabalhos.

Enzo Bianchi, prior da comunidade de Bose e uma das vozes mais lúcidas da Igreja italiana, no Domingo passado, num artigo publicado no quotidiano italiano La Stampa (12.10.2014, p.1) escrevia: “depois de vinte meses de pontificado, podemos dizer que se criou um outro clima no tecido eclesial: um clima de liberdade de expressão no qual, com parrésia, cada católico, bispo ou simples fiel, pode deixar falar a sua própria consciência e dizer aquilo que pensa, sem ser logo reduzido ao silêncio, censurado ou até mesmo punido, como acontecia nos últimos decénios”.

Desta vez, um laicado, até agora praticamente afónico, encontrou na voz do Papa, cardeais, bispos, padres e casais, um amplo espaço de debate aberto e livre, onde questões pastorais difíceis tais como: a situação dos divorciados recasados e a possibilidade de comungarem, as uniões de facto, as uniões homossexuais, os métodos de regulação fertilidade e contracepção, além de estarem a ser reflectidos sem tabus colocaram a Igreja a “interrogar-se sobre si própria e sobre a sua missão”, como afirmou Antonio Spadaro, jesuíta e director da revista Civiltà Cattolica, participante do sínodo. De tal modo, e continuo a citar Spadaro, que “o hospital de campanha do qual fala Francisco não é só uma bela imagem poética, mas um verdadeiro e próprio modelo eclesiológico que conduz a uma compreensão da missão da Igreja e do valor dos sacramentos. Neste sentido diria que na aula sinodal respira-se um clima quase conciliar”.

A“Relatio post disceptationes" — uma síntese de 58 pontos com as principais contributos resultantes das intervenções da primeira semana —, apresentada na segunda-feira, e que tanto furor causou, é a confirmação de que uma mudança de abordagem e linguagem, pelo menos, estão em curso. O que não é pouco. Sim, é verdade que se trata de um documento intermédio, provisório, um resumo dos principais pontos de discussão, e que alguns bispos e cardeais se manifestaram muito críticos em relação ao texto que serviu de base para debate dos “círculos menores” — pequenos grupos de trabalho divididos segundo a língua dos participantes — onde depois de analisado e reflectido foram sugeridas muitas emendas que, a serem tomadas em consideração, reconfiguram substancialmente o documento. Seja como for, esta é a Igreja em “saída” que espelha o programa pastoral do Papa Francisco: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Evangelii Gaudium, 49).

O tempo está longe de ser fácil para quem revela uma hipersensibilidade doutrinal, já que o Papa Francisco coloca pontos de interrogação onde estavam pontos finais e como bem sintetizou Eduardo de Paola, neste sínodo ”passamos do medo de falar ao temor de calar”.

O sínodo não acabou este Domingo. Esta foi apenas a primeira parte de uma grande reflexão a maturar no tempo e que terá o seu termo a 25 de Outubro de 2015. Agora, é tempo dos teólogos e o mínimo que se pode esperar é uma reflexão teológica fiel, livre, ousada e sem medo. O desafio não é pequeno!

Padre a estudar Comunicação Institucional da Igreja em Roma

Twitter: @paulo_terroso

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