Serviços de saúde sem qualidade nem viabilidade devem ser encerrados

Estudo do Health Cluster Portugal defende que os utentes devem ser livres de escolher o seu médico de família e apela à criação da marca Saúde Portugal.

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Alguns hospitais já comunicavam aos utentes os custos do atendimento em urgências Rui Soares

Deixar que os cidadãos escolham livremente o centro de saúde e o seu médico de família e possibilitar o encerramento de unidades e serviços sem qualidade ou viabilidade económica são algumas das propostas de um estudo promovido pelo Health Cluster Portugal (HCP), apresentado nesta terça-feira em Lisboa.

Elaborado pela Porto Business School a pedido do HCP, o estudo O Sector da Saúde: da Racionalização à Excelência propõe cinco medidas para reforçar a competitividade deste sector e “garantir a sua sustentabilidade”. Uma das sugestões passa pela criação da marca Saúde Portugal e por atrair doentes estrangeiros para os serviços nacionais de excelência.

Antecipando o impacto da entrada em vigor da directiva comunitária sobre os cuidados de saúde transfronteiriços, que permitirá que mais doentes circulem no espaço europeu, os coordenadores do estudo preconizam o aumento da concorrência entre os prestadores de serviços de saúde, o que pressupõe a possibilidade de “eliminar os prestadores menos eficientes”. Contudo, Nuno de Sousa Pereira, da Porto Business School e um dos coordenadores do estudo, na apresentação do estudo para a imprensa que decorreu na manhã desta terça-feira em Lisboa, disse não acreditar que venham a existir encerramentos de unidades no seu todo mas “apenas de alguns serviços que deixem de fazer sentido” por estarem duplicados.

A escolha das unidades a encerrar ficará nas mãos de uma entidade independente, à semelhança do que aconteceu no Reino Unido, explicam. Até porque a decisão de encerramento das unidades não pode ficar dependente de pressões políticas, e deve ter como base questões de “viabilidade económica, de cumprimento de padrões de qualidade e de garantia de condições de igualdade de acesso”, justificam. Ainda assim, entendem que algumas das saídas serão “naturais”.

Escolher o médico de família
Quanto à liberdade de escolha, a segunda medida proposta, o processo deve ser iniciado nos cuidados de saúde primários, com os doentes a poderem escolher o seu médico de família, para mais tarde avançar para os hospitais e arrancar nos principais centros urbanos, onde poderá existir um excesso de capacidade instalada, defendem. Álvaro Almeida, da Faculdade de Economia do Porto e outro dos coordenadores do estudo, esclareceu que a liberdade de escolha deve apenas ser implementada “inicialmente em áreas menos especializadas e onde há concorrência para que os utentes possam ter alternativas”.

O economista da saúde assumiu que, para isso, é preciso abrir a porta ao sector privado, reforçando que “o alargamento da liberdade de escolha deve ser a todos os prestadores que estão no mercado”, mas em que o financiamento continuaria a ser público, por via dos impostos, e os preços a serem contratualizados pelo Estado com os vários prestadores. Questionado sobre o risco de os serviços menos atractivos do ponto de vista económico acabarem por fechar por não serem rentáveis, o que deixaria doentes por tratar, Álvaro de Almeida referiu que seria necessário rever todo o financiamento, a terceira medida sugerida pelo estudo. “É necessária uma revisão do sistema de preços para garantir que isso não existe. É preciso garantir que os preços reflectem os custos”, disse.

Valores predefinidos por doente
Os autores sugerem uma alteração na forma de financiamento no sentido de os centros de saúde serem responsáveis pelas despesas dos respectivos utentes (dentro de um pacote de serviços predefinido). Uma medida que, crêem, incentivará os prestadores a oferecer serviços de qualidade a baixo custo e a não encaminhar desnecessariamente os doentes para os hospitais. A ideia é que se estabeleça o valor que seja expectável que cada utente gaste, tendo em consideração a sua idade e características, para incentivar os prestadores a fazerem uma gestão óptima dessa verba. O modelo aproxima-se do que já hoje acontece nas Unidades Locais de Saúde, mas em que o ajustamento ao risco do utente ainda não foi optimizado.

Outra das medidas propostas, a quarta, passa pela concentração de recursos humanos e financeiros em subclusters especializados em nichos de mercado diferenciados. “Experiências semelhantes foram adoptadas em França, onde o Pôle de Compétivité Cancer-Bio-Santé tem em curso quatro actividades estratégicas no domínio da prevenção, diagnóstico e tratamento do cancro”, exemplificam. A este propósito, na apresentação os autores escusaram-se a adiantar as áreas-chave, mas admitiram que a oncologia e a neurologia são já referências nacionais. A ideia, clarificam os autores, é que estes centros só tratem os casos mais diferenciados e que os restantes fiquem à mesma nas outras unidades de saúde, pelo que neste caso não existiria a mesma interpretação do conceito de liberdade de escolha.

Exportar serviços
O neurocirurgião João Lobo Antunes, presidente do Instituto de Medicina Molecular e vice-presidente do HCP, em declarações ao PÚBLICO, antecipou que, no que diz respeito a atrair estrangeiros, estes nichos passam “sobretudo pelas cirurgias electivas”, em que se encaixam algumas patologias da sua especialidade e em que há tempo para estudar os casos e trazer os doentes para Portugal.

Notando que o sector das ciências da saúde é um dos que têm maior potencial de crescimento no país, defendem ainda o desenvolvimento de um conjunto de iniciativas integradas que permitam que Portugal seja percepcionado no exterior como um país de referência no sector da saúde, tendo em conta a directiva comunitária que em breve vai permitir a livre circulação de doentes dentro do mercado europeu. Mas não adiantam valores de quanto poderia vir o país a arrecadar, lembrando apenas que entre 2008 e 2010 o valor bruto acrescentado no mercado da saúde teve um crescimento de 1,8% ao ano, quando na economia nacional houve um decréscimo de 0,8%. Também não são avançadas as poupanças que as medidas no seu todo conseguiriam.

Para preparar o país para esta alteração, é necessário “alterar a percepção que existe sobre a qualidade do sistema de saúde”. Vários países têm conseguido reforçar o seu posicionamento a este nível, lembram, destacando a experiência da Suécia, Singapura, Coreia do Sul e Turquia. Por último, como quinta medida, recomendam o desenvolvimento de sistemas de informação bem estruturados “que produzam em tempo útil indicadores de qualidade” e que será a base de todas as decisões sugeridas. Quanto ao período de implementação das medidas, Álvaro de Almeida explica que todas podem ser introduzidas desde já isoladamente, mas que a reforma é para durar e “se forem introduzidas em simultâneo há um efeito multiplicador” positivo.

O Health Cluster é uma associação privada, sem fins lucrativos, fundada em 2008, que visa promover iniciativas para a consolidação de um pólo nacional de competitividade, inovação e tecnologia. Conta actualmente com 134 associados, incluindo empresas farmacêuticas e de biotecnologia, de dispositivos médicos e de serviços, universidades e entidades do sistema científico e tecnológico e unidades hospitalares.

Ministro aberto à liberdade de escolha e a encerramentos
Na apresentação pública do estudo, o ministro da Saúde afirmou que a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde apenas está garantida no curto e médio prazo, pelo que todas as iniciativas da sociedade civil são úteis para se encontrarem caminhos a longo prazo, classificando o estudo encomendado pelo Health Custer como um "contributo importante" e saudando que seja apresentado numa altura em que se debate a reforma do Estado.

Paulo Macedo reafirmou que é preciso caminhar para a excelência mas que o actual "nível de despesa pública é incompatível com o nível de impostos que os portugueses estão dispostos a pagar".

O titular da pasta da Saúde percorreu algumas das reformas que estão a ser feitas no sector do medicamento, na saúde pública e nos cuidados de saúde primários e que têm contribuído para "garantir o acesso" de todos ao SNS, assegurando que todas as medidas têm de passar pela qualidade e pela excelência. Depois, Macedo lamentou que a racionalidade "apenas se associa a redução da despesa e a excelência a aumento da despesa".

Ainda a propósito do estudo, salientou que o executivo vai estudar as propostas, mas lembrou que "o risco de as boas ideias não atingirem qualquer resultado é real".

À saída, questionado pelos jornalistas sobre a liberdade de escolha, o ministro assumiu que o caminho será feito nesse sentido, mas escusou-se a apresentar cenários concretos, sublinhando apenas que já existem convencionados. Sobre o encerramento de serviços, admitiu que esse cenário do estudo faça sentido se se comprovar que não têm qualidade.
 

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