Serviço Nacional de Saúde: estatizar ou liberalizar?

Não sendo, por enquanto, possível a plena liberalização dos serviços de saúde, a adopção de um modelo bismarkiano, de partilha de responsabilidade entre os utentes do serviço, os prestadores privados de saúde e o estado, obteria certamente resultados mais satisfatórios para todos.

É voz comum que o Serviço Nacional de Saúde funciona mal ou que, pelo menos, funciona com graves deficiências, impróprias de um Estado Social exigente. Independentemente dos governos, dos ministros e das políticas seguidas, os utentes da saúde pública portuguesa queixam-se de atendimento tardio, das filas de espera, do congestionamento e da negligência das urgências, dos equipamentos antiquados e escassos, da falta de médicos, de enfermeiros e de camas para internamento, dos meses de espera para as consultas e actos cirúrgicos. Por outro lado, os médicos consideram-se mal pagos e alegam ter excesso de trabalho e más condições para o realizar. Os enfermeiros e auxiliares de saúde queixam-se dos baixos salários e da falta de pessoal. Frequentemente, estes profissionais da saúde pública fazem greves, para desespero dos utentes. Quem pode, quem tem condições financeiras para isso, foge do Serviço Nacional de Saúde para a saúde privada, onde o índice de satisfação com os serviços prestados é muito mais elevado.

E isto num país que gasta uma média anual de 10% do PIB com o financiamento do Serviço Nacional de Saúde, o que representa um valor elevadíssimo para um sistema público em relação ao qual existem tantas reclamações. Em termos relativos, o financiamento do nosso sistema não se encontra muito distante dos países que são considerados referências na prestação de cuidados de saúde, como a Alemanha (11%) e os Países Baixos (12%). A agravar este panorama, o SNS está quase permanentemente em ruptura financeira, segundo os seus responsáveis. Ora, por que é que com contribuições percentualmente muito semelhantes (que devem ser também adequadas proporcionalmente ao número de utilizadores), serviços equivalentes obtêm resultados tão distintos é coisa que merece séria reflexão.

A análise deverá incidir, primeiramente, sobre os vários modelos de saúde pública existentes sobretudo na Europa, que foi pioneira na sua criação. No nosso continente desenvolveram-se, desde o final do século XIX e meados do século XX, duas matrizes principais, que, por sua vez, com uma ou outra diferença, foram adaptadas por outros países europeus e noutros continentes. São eles o modelo Bismark, baptizado com o apelido do chanceler alemão e criado no final do século XIX, e o modelo Beveridge, em homenagem ao economista inglês que influenciou a criação do National Health Service (NHS), em 1948, pelo governo trabalhista de Attlee. O primeiro modelo foi aplicado em países como a Alemanha, a Áustria e, com aprofundamentos interessantes, na Suíça, ao passo que o segundo foi o adoptado no Reino Unido, Espanha, Suécia e Portugal, entre outros países.

A diferença maior entre estes dois sistemas reside no facto de que, sendo embora ambos públicos e universalistas, o primeiro é regulado mas não dirigido nem planificado pelo estado, ao passo que o segundo se encontra integralmente estatizado. Quer isto dizer que o sistema Bismark nasce no estado, é tutelado e regulamentado pelo estado, mas é financiado por um fundo público-privado, cujas receitas advêm essencialmente de seguros privados de saúde que são obrigatórios. Já o sistema Beveridge é quase integralmente financiado pelos impostos dos contribuintes. Por sua vez, a prestação dos cuidados de saúde é assegurada, no primeiro caso, maioritariamente por entidades privadas que os tomadores de seguros escolhem livremente, enquanto que no segundo o estado é o proprietário da maioria dos hospitais, contrata médicos, enfermeiros e os demais operadores destes serviços. A Suíça, onde se encontra um dos melhores e mais completos serviços de saúde da Europa e do Mundo, levou mais longe a privatização do sistema. Aqui, o estado intervém exigindo que todos os cidadãos tenham um seguro básico de saúde (três meses após o nascimento ou a radicação no país), mas a oferta destes planos e dos serviços é completamente privada. Os hospitais dispõem, também, cada um deles, de um Serviço Social, que atende os casos das pessoas socialmente mais carenciadas.

O facto relevante é que são os sistemas estatizados, onde se gasta mais dinheiro público, aqueles que provocam maior insatisfação dos utentes. Em Portugal, por exemplo, segundo os dados do Relatório de Primavera de 2011 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, o tempo médio de espera por uma consulta de especialidade era de 361,5 dias, sendo que as consultas consideradas “muito prioritárias” eram as que sofriam maiores atrasos. No Relatório da Primavera de 2015, lê-se que a situação de 2011 se manteve no essencial e acrescenta-se que é possível concluir pela dificuldade de acesso dos utentes às primeiras consultas de especialidade, em tempo útil”. Ora, uma pessoa doente que não seja atendida “em tempo útil” poderá estar condenada. Sobre o sistema público de saúde inglês, a matriz originária deste modelo, o tempo médio de espera por um acto cirúrgico era, antes das reformas operadas pelo governo conservador, em 1991, de 18 meses, tendo melhorado depois dessa reforma e da realizada em 1999, já pelo governo trabalhista, para um prazo que pode ir, ainda assim, de 10,2 semanas a 9 meses.

Resulta pois evidente que os sistemas de saúde alicerçados sobre os princípios da economia de mercado e da partilha de responsabilidades entre os utentes e o estado são mais eficazes e apresentam melhores resultados do que os sistemas integralmente estatizados. Alegar que os países mais pobres precisam de maior intervenção pública para garantirem uma saúde de acesso universal não é argumento, porque não só são muito insatisfatórios os resultados, como verdadeiramente só utilizam estes serviços as pessoas que não têm recursos que lhes permitam aceder à saúde privada, apesar do imenso dinheiro nele gasto pelos contribuintes. Os vícios da estatização da saúde não residem somente no desperdício de recursos, cuja gestão não obedece a uma racionalidade empresarial mas política, nem na excessiva burocratização. A falta de concorrência e o seu financiamento através de recursos do orçamento do estado desresponsabilizam todos os agentes e provocam a quebra de investimento, a baixa de salários e a fuga de pessoal tecnicamente competente para a iniciativa privada.

Não sendo, por enquanto, possível a plena liberalização dos serviços de saúde, a adopção de um modelo bismarkiano, de partilha de responsabilidade entre os utentes do serviço, os prestadores privados de saúde e o estado, obteria certamente resultados mais satisfatórios para todos. O modelo suíço é, por enquanto, num país tradicionalmente tão estatista como Portugal, uma utopia no médio prazo.

Professor da Universidade Lusófona

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