Seguro escolar não paga acidentes de alunos que vão de bicicleta para a escola

Na escola “Aníbal Cavaco Silva”, em Boliqueime, pais e alunos vão este domingo “De bicicleta em família” a pedalar para que seja alterada uma lei anacrónica.

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Portaria com 16 anos só cobre acidentes dos alunos que vão a pé Público/Arquivo

Os acidentes com bicicletas, no decorrer do trajecto de casa para escola, não estão cobertos pelo “seguro escolar”. Em caso de acidente, o seguro só vale de alguma coisa se o aluno fizer a deslocação de casa para a escola a pé. Hoje, na escola Básica Integrada, Aníbal Cavaco Silva, em Boliqueime, um grupo de pais e alunos vai “pedalar”, para que seja alterada uma portaria, publicada há 16 anos, quando os transportes alternativos e a mobilidade suave não faziam parte do quotidiano da vida dos portugueses.

Paulo Carvalheiro, professor de Educação Visual, luta há quase duas décadas para alterar as mentalidades, em relação à mobilidade. Quando começou a ir de bicicleta de casa para a escola, - numa altura em que as atenções estavam viradas para último modelo de automóvel acabado de sair (mesmo que fosse comprado a crédito),- foi visto como uma espécie de extraterrestre. “Paulo, estás bem? … Passa-se alguma coisa?”, diz, a lembrar algumas das perguntas que colegas e amigos lhe faziam, quando chegava, de pedaleira, para se livrar do “sarilho” automobilístico. As coisas mudaram, em termos de aceitação social, mas a lei permaneceu colada ao passado.   

Segundo a Portaria 413/99, de 8 de Junho (artigo 25º, alínea f, estão excluídos da cobertura do seguro escolar “os acidentes que ocorram em trajecto com veículos com ou sem motor, que transportem o aluno ou sejam por este conduzidos”. O diploma, subscrito pelos ministérios das Finanças, Educação e da Saúde, só admite excepção, para efeitos de cobertura de risco, se o uso da bicicleta for inserido numa “actividade escolar”. O valor do prémio pago pelo Estado à seguradora corresponde a um por cento do ordenamento mínimo nacional (cerca de cinco euros/ano) por cada aluno. Os acidentes que possam vir a ocorrer com os veículos afectos aos transportes escolares, também estão fora da cobertura desta apólice - mas nesse caso existe um seguro especifico de responsabilidade civil.

O presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores da Bicicleta (FPCUB), José Manuel Caetano, reclama a revogação do diploma que considera anacrónico: “Não faz sentido que haja uma lei a discriminar o uso da bicicleta, quando o risco de sinistralidade com este veículo, quando comparado com o automóvel, não é mais do que uma formiga em relação ao elefante”. Paulo Carvalheiro, que fez a escola primária na Alemanha – onde aprendeu a dar as primeiras pedaladas – justifica o encontro “De bicicleta em família”, (inserido no programa Europen Cycling Challenger 2015), como uma forma de chamar a atenção para a necessidade de inverter o estado das coisas.

A proposta consiste em fazer um passeio entre Vale Judeu e Boliqueime, convidando os pais e os filhos, a percorrerem cerca de sete quilómetros, por uma via do interior. Este é o caminho que ele faz todos os dias de casa para a escola onde dá aulas e, ultimamente, duas vezes por semana – à quarta e à sexta - acompanhado de um grupo de dez alunos. “Quero demonstrar, no Domingo, que o percurso é seguro”. Aliás, ressalva: “ quero compartilhar este luxo - de manhã, a ouvir os passarinhos, e não as buzinadelas dos carros a passarem por nós”. 

O professor, de 47 anos, dinamizador da equipa de BTT da escola, reconhece que se seria “mais confortável” não desafiar as instituições. “É um risco”, admite, mas acha que é  “urgente mudar, em diversos contextos” a forma como é olhado este meio de transporte. “É necessário criar vias, com segurança, para que os pais não fiquem casa com o coração nas mãos”, diz, referindo-se ao trabalho que falta fazer da parte dos municípios. Ao nível da região falta, também, concluir a Ecovia do Algarve. No troço entre Faro e Olhão, por exemplo, os ciclistas são convidados a deixar o percurso junto à ria Formosa, sendo empurrados para o meio do intenso e perigoso tráfego da Estrada Nacional (EN) 125.

Por seu lado, José Manuel Caetano, destaca o papel que a escola deve ter na “formação de cidadãos responsáveis”, destacando as boas práticas de vida saudável, a andar de bicicleta. Paulo Carvalheiro vai mais longe, na ligação entre o sucesso no ensino e a prática desportiva. Para isso, recua a 1994, o ano em que deu aulas em Quarteira. “Querem dar uma volta de bicicleta comigo?”, A resposta, vinda de uma turma de alunos considerados “problemáticos”, surpreendeu. Alguns jovens que outros consideravam “perdidos” numa comunidade multicultural, diz, encontraram um novo rumo. Agora, seguindo o lema da canção, de Zeca Afonso,  “vem, e traz um amigo também” fez da bicicleta a sua “arma” na luta pela inclusão social.

Ao nível da responsabilidade civil, no uso deste veículo, José Caetano defende a necessidade de ser transposta para a legislação portuguesa a directiva comunitária 2009/103/CE, de 16 de Setembro. “Os danos pessoais e materiais sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas, que constituem habitualmente a parte mais vulnerável num acidente, deverão ser cobertos pelo seguro obrigatório do veículo envolvido no acidente”. Por outro lado, o dirigente associativo rejeita a hipótese da criação de um seguro obrigatório para as bicicletas. Exigir um seguro obrigatório para a bicicleta, diz, “faz tanto sentido como exigir um seguro obrigatório para qualquer cidadão que circule a pé”. Essa obrigação, acrescenta, deve limitar-se aos “aos veículos motorizados”.

                   

                  

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