Segurança do aeroporto de Lisboa questionada no julgamento de alegado terrorista

Comportamento de angolano confundiu autoridades, que oscilaram entre considerar Calunga Gima lunático ou perigoso.

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Dois dos argelinos condenados já manifestaram intenção de regressar ao seu país Daniel Rocha

Quão fácil é alguém introduzir-se no aeroporto de Lisboa saltando a vedação do perímetro do recinto? Foi isso que fez no Verão de 2014 o angolano que está agora a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa, por suspeitas de terrorismo, depois de ter sido apanhado na placa central, junto a um avião que se preparava para descolar para Luanda. Calunga Gima, que assegura que foi para ali apenas para escapar a um feitiço que lhe tinham feito, não atacou ninguém. Mas quando foi apanhado tinha consigo uma grande faca, cuja lâmina ultrapassava os 20 centímetros, e antes disso havia passado semana e meia na Síria, uma aventura que também não sabe explicar com clareza.

O angolano de 29 anos – que está emigrado na Holanda, onde se naturalizou – subiu a uma árvore na Segunda Circular, junto ao restaurante da McDonald’s, passou a noite dentro do recinto, num edifício desactivado, e só na noite seguinte foi encontrado, a subir para uma das rodas do avião que estava já de motores ligados. Nem as rondas da PSP nem a videovigilância – que não cobre todo o perímetro do recinto – o detectaram. Um polícia ouvido pelos juízes mencionou, de resto, a falta de efectivos, enquanto um funcionário da segurança do aeroporto admitiu falhas nesta matéria. E um responsável das Linhas Aéreas de Angola (TAAG), companhia que se constituiu como assistente no processo porque pretende ser indemnizada pelo incidente, explicou que passou a gastar mensalmente 18 mil euros para ter quatro homens na pista a garantir diariamente que ninguém se aproxima das suas aeronaves.

Verdade seja dita que mesmo com a faca que levava poucos estragos Calunga Gima podia fazer ao avião ou aos passageiros, explicou um especialista da Autoridade Nacional de Aviação Civil: com as portas da cabine já fechadas, o máximo que poderia conseguir era cortar uns cabos no trem de aterragem, onde não existem equipamentos relacionados com o sistema de controlo da aeronave. A morte, essa era quase certa, e o angolano escapou-lhe por pouco: podia ter sido sugado pelas turbinas, ou ter ficado esborrachado quando o trem de aterragem recolhesse para o veículo levantar voo. Os funcionários que deram com ele acharam-no muito desnorteado. Ao tribunal, o arguido disse que só queria colocar a cabeça dentro das turbinas, para os maus espíritos o abandonarem de uma vez por todas. A desorientação que aparentava também pode ter sido provocada pela mistura de calor, ruído e vapores de combustível a que esteve exposto – ou pela fome, porque já não comia há muitas horas. “Disse-me que não era bandido, e que não queria fazer mal a ninguém”, recordou o funcionário do handling que lhe encontrou a faca escondida debaixo da roupa. Deixou-se levar dali sem resistência.

“O perímetro do aeroporto é enorme. O pessoal que temos para fazer a segurança é exíguo”, admitiu um agente da PSP, que ainda chegou a pensar em mandar internar compulsivamente Calunga Gima num estabelecimento psiquiátrico. Mas depois deu com carimbo de entrada na Turquia e de saída da Síria no seu passaporte. “Disse-nos que estava alojado numa residencial em Lisboa e que tinha sido enviado para verificar os procedimentos do aeroporto”, recordou. Por quem e que procedimentos não explicou. A zona da placa onde foi encontrado é, de acordo com o mesmo agente, uma das mais sensíveis do aeroporto: é ali que param os aviões que têm como destino não só Angola como o Dubai e os EUA.

 

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