Chefe das secretas recusa-se a dizer se colocou espiões na Portugal Telecom

Júlio Pereira foi ouvido como testemunha no processo das secretas durante mais de seis horas, mas muito ficou por esclarecer.

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Jorge Silva Carvalho à entrada para a audiência desta quinta-feira Rui Gaudêncio Rui Gaudêncio

O secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira, recusou-se esta quinta-feira a dizer se colocou espiões na Portugal Telecom. Disse que nunca o faria numa empresa privada, mas quando foi interrogado sobre se tinha autorizado a ida de funcionários seus para a PT refugiou-se no segredo de Estado: “Não me vou pronunciar sobre isso”.

Júlio Pereira foi ouvido como testemunha no chamado processo das secretas, no qual três antigos subordinados seus – incluindo o ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Jorge Silva Carvalho – respondem pelos crimes de violação do segredo de Estado, corrupção e abuso de poder.

Também conhecido nas secretas pela alcunha de Panda Kung-Fu, Silva Carvalho  é acusado de ter posto os serviços que dirigiu até 2010 a recolherem informação para o grupo Ongoing, que havia depois de oferecer-lhe um cargo bem remunerado. Em causa está, nomeadamente, uma investigação feita pelos agentes secretos  a dois empresários russos com quem a Ongoing estava a negociar a entrada no capital de um porto grego. Grande parte da informação, senão toda, foi obtida via Google. Mesmo assim, o relatório então produzido pelas secretas foi classificado como "top top secret", uma designação que, segundo Júlio Pereira, nem sequer existe nos seus serviços.

O secretário-geral do SIRP condenou a actuação de Jorge Silva Carvalho: "Não é admissível estar a produzir informação [classificada] para uma entidade com a qual se está a negociar um emprego e para a qual se vai trabalhar a seguir. Há incompatibilidade nisso. É como pedir para investigar uma pessoa com quem se vai casar dali a dois meses”. Porém, quando questionado pelos advogados do arguido sobre se estava certo de ter sido realmente a Ongoing a pedir ao seu antigo subordinado um relatório sobre os russos, recuou: “Só sei o que vem no processo judicial”. E quando o interrogaram sobre se Silva Carvalho teria, afinal, continuado a trabalhar para o SIED, na qualidade de fonte de informação, quando transitou das secretas para a Ongoing no final de 2010, Júlio Pereira voltou a esquivar-se: “Não sei nada sobre esse assunto e mesmo que soubesse não poderia pronunciar-me sobre ele”.

A suspeita surgiu depois de terem sido encontradas referências a uma fonte chamada precisamente Panda nalguns documentos. Silva Carvalho poderia esclarecer estas e muitas outras questões, mas tal como os restantes arguidos remeteu-se ao silêncio, dizendo que espera ser informado com exactidão pelo gabinete do primeiro-ministro sobre que matérias pode falar em tribunal sem violar o segredo de Estado.

Já Júlio Pereira admitiu que as secretas passam informações a firmas consideradas estratégicas para o interesse nacional.“Já houve empresas portuguesas que nos pediram para lhes fazermos apresentações sobre países onde planeavam investir. Queriam saber se esses países iriam manter-se estáveis durante muito tempo ou se o seu nível de corrupção era muito elevado”, exemplificou. “Mas na maioria das vezes são os serviços secretos que têm interesse em contactar as empresas, devido à missão institucional que têm de salvaguarda dos interesses nacionais”. Se uma firma quiser investir 300 milhões de euros em determinado projecto no estrangeiro e pretender saber se os seus parceiros internacionais de negócios são idóneos caberá às secretas “dar-lhe essa ajuda”, explicou, para que o investimento nacional não corra riscos desnecessários. Mas a Ongoing nunca foi considerada uma firma estratégica pelos serviços secretos, disse também o secretário-geral do SIRP. 

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