Salvação do Latim tardia e in extremis

A intenção agora expressa pelo ministério de “preparar o reforço” do ensino do Latim peca por tardia.

Há um ano, nas páginas de opinião do PÚBLICO, uma professora deixava no ar esta pergunta: “Será possível que ninguém queira aprender Latim em Portugal? Que nenhum aluno se interesse pelo mundo antigo e pelas histórias que percorrem a arqueologia da humanidade? Que os jovens portugueses sejam tão diferentes dos seus congéneres europeus? Há verdadeiramente interesse, por parte de quem decide, que a situação mude?” Da parte dos alunos, a resposta estava dada: contra os 13 mil que em 1996 fizeram o exame de Latim do 12.º ano, os números de 2014 eram verdadeiramente catastróficos, mostrando que apenas 114 se apresentaram a exame nesta disciplina (exame que agora se realiza no final do 11.º ano). Culpa dos alunos? Também, mas não principalmente. A verdade é que o ensino do Latim foi sendo visto ao longo dos anos como coisa menor, com os resultados que estão à vista. Culpa, em primeiro lugar, de quem decide. Ora quem decide, ou seja, o Ministério da Educação, vem agora admitir (como se registou no artigo "Latim a remar contra a maré", publicado na edição de 1 de Abril) que “está a preparar o reforço do ensino de Latim e Cultura Clássica no ensino secundário”, admitindo, quanto ao ensino básico, estar “a estudar a possibilidade de a oferta curricular ser definida em algumas escolas”. Isto, para recorrer ao próprio Latim, é uma “salvação” in extremis. Ou seja: no limite, nos últimos momentos vitais. É como se à cabeceira de um moribundo se sentassem especialistas a discutir um plano a médio prazo que viesse a devolver-lhe a vida. Mesmo que se salve a intenção (para já é apenas isso que temos pela frente, uma intenção), tudo o resto caminha a desfavor. A começar por um “acordo ortográfico” que menospreza e renega a raiz latina e grega da língua portuguesa, agora reduzida na fala e na grafia a ferramenta utilitária e esvaziada de bases científicas. E a esta miséria chegámos, num insano elogio à incultura.

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