Roser Torras: Ela escolhe os que vão escolher os melhores restaurantes do mundo

Uma das primeiras iniciativas da nova presidente para a Península Ibérica da Academia do The World’s 50 Best Restaurants foi viajar até Portugal. Veio conhecer restaurantes e chefs do país que promete promover da mesma forma do que Espanha.

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Lasanha de cabeca de vitela preparada pelo chef Dieter Koschina no Restaurante Vila Joya, no Algarve Virgilio Rodrigues

A espanhola Roser Torras, directora do Grupo Gsr ligado à promoção da gastronomia, é a nova presidente para Espanha e Portugal da Academia do The World’s 50 Best Restaurants. É esta mulher – que sucede no cargo a Rafael Ansón, presidente da Real Academia de Gastronomia de Espanha – que passa a ter a responsabilidade de escolher os 35 membros do júri da Península Ibérica (entre um total de 900 que votam para a lista) que darão o seu voto para escolher os melhores restaurantes do mundo.

Uma das suas primeiras iniciativas depois da nomeação foi viajar até ao Sul de Portugal (promete que em breve visitará o Norte) para conhecer alguns dos restaurantes e chefs que ainda não conhecia e, disse ao PÚBLICO, ficou “maravilhada”. O Grupo Gsr é o organizador de importantes festivais em Espanha, como o Gastronomika em San Sebastian, e Torras é, além disso, a proprietária da revista digital de gastronomia 7Canibales.

O The World’s 50 Best Restaurants é uma iniciativa lançada em 2002 pela revista britânica Restaurant, e a sua Academia inclui os 900 membros do júri, com presidentes para as 26 regiões em que foi dividido o mundo para efeitos da votação. Portugal e Espanha representam uma única região – a Península Ibérica. E Roser Torres garante que vai promover os dois países de forma igual.

Quais são exactamente as responsabilidades do presidente do The World’s 50 Best (W50B) para Portugal e Espanha?
Em primeiro lugar, a escolha dos membros do júri e, depois, também a parte da promoção dos restaurantes de Espanha e Portugal. Claro que não posso promover mais uns dos que os outros, nem dizer que um é melhor do que outro. O que podemos fazer é promovê-los em conjunto e, por exemplo, organizar alguma coisa em Londres [onde se realiza a gala do W50B]. Enviei uma carta a vários restaurantes que me pareceu terem nível para participar na lista do W50B, informando-os e pedindo-lhes que qualquer sugestão que queiram fazer para melhorar a lista, ou qualquer queixa, seja dirigida a mim. A minha tarefa é também informar a direcção em Londres do que me sugerem.

Claro que Espanha é um país muito maior do que Portugal e, quando os juntamos para efeitos como este, temos a impressão de que Portugal ficará inevitavelmente na sombra.
Acabo de fazer uma visita ao seu país, e voltei maravilhada. Quando se juntam dois países, há sempre um que perde, e neste caso perde mais Portugal do que Espanha, até porque Espanha tem muito mais restaurantes. A minha função, enquanto presidente, é tratar todos por igual. Por isso, a primeira coisa que fiz foi visitar alguns restaurantes portugueses – não todos, porque não era possível – para me apresentar e dizer que estou à disposição deles para o que for necessário. Falta-me agora ir ao Norte. Quero também recordar aos nossos amigos espanhóis que devem pensar em Portugal, porque temos que estar nisto unidos. A minha presidência inclui os dois países, por isso tenho que trabalhar tanto para um para outro.

É verdade que, até agora, sempre houve mais restaurantes espanhóis do que portugueses na lista, mas isso tem muito a ver com a extensão do país. Tive a oportunidade de visitar o Vila Joya [de Dieter Koschina, no Algarve], que ocupa o 22.º lugar, mas percebi que há outros restaurantes portugueses que poderiam estar na lista. Por exemplo, o Belcanto [de José Avillez, em Lisboa] e o Ocean, do Vila Vita Parc [do chef Hans Neuner, no Algarve]. Isto quer dizer que em Portugal há nível para isso, e eu quero ser muito justa.

Quando fala em promoção conjunta, há alguma coisa já pensada ou é algo que gostaria de vir a fazer?
Agora tenho que me reunir com o presidente do W50B a nível mundial. Vou primeiro ao Peru, ao Festival Mistura, onde me encontrarei com os outros presidentes de outras regiões. Mas acabo de chegar, por isso não conheço muito profundamente o funcionamento interno, e quero consultá-los para perceber o que posso e o que não posso fazer a nível de promoção.

Há regiões que têm conseguido promover-se muito bem. A América Latina, por exemplo, precisamente a partir do Peru, que tem feito um grande trabalho a esse nível.
Sim, sei que a América do Sul faz uma grande promoção. Já existe o 50 Best da América Latina, como também existe o da Ásia. Interessa-me muito ir ao Peru ver como fazem, e perceber como o podemos aplicar na Península Ibérica. Se estiver ao meu alcance, e se a direcção do W50B mo permitir, vou fazê-lo.

Os jurados mudaram todos na sua presidência?
Não quis sequer saber quem eram os votantes até agora. Eu votei em várias edições, mas a lista de jurados é secreta, e o presidente não vota. Tenho uma pessoa que me está a ajudar em Portugal a escolher quem são os novos votantes.

Para já, fui fazer esta visita, fui conhecer vários sítios, falei com diferentes pessoas e informei-me melhor. Com tudo isto já tenho os jurados de Portugal, e os de Espanha também – de qualquer forma, há uma proporção de jurados [dez] que tem que mudar anualmente.

Agora tenho que propor à direcção do W50B a lista de 35 pessoas na Península Ibérica, que tem que incluir cozinheiros, donos de restaurantes, gourmets e jornalistas. São todos pessoas apaixonadas pela gastronomia. Aliás, os cozinheiros são hoje aqueles que viajam mais e conhecem melhor, pela sua profissão, os congressos de cozinha, etc.

E devem votar em alguns restaurantes do seu país e em outros fora do país?
Têm que votar em quatro restaurantes que sejam da Península Ibérica, sem distinção do país, e três de outros países.

E acha que os jurados espanhóis conhecem bem os restaurantes portugueses, ou os portugueses conhecem melhor os espanhóis?
Penso que os portugueses conhecem melhor os restaurantes espanhóis. Digo isto com tristeza. Mas trabalharei para que os jurados espanhóis conheçam melhor o que se passa em Portugal, e que não se esqueçam que votamos pela Península Ibérica, e não apenas por Espanha. Claro que o voto é livre, e eu não posso dizer a ninguém em qual deve votar. Mas vou sugerir aos espanhóis que visitem Portugal e aos portugueses que visitem Espanha. Não posso é fazer uma lista de sugestões de restaurantes.

Tenho uma revista digital de gastronomia, a 7Canibales, em que nunca falámos dos restaurantes portugueses, o que foi um erro. Agora, vou passar a falar de Espanha e de Portugal, e os meus jornalistas passam também a ter a obrigação de falar dos dois países.

O que aconselha a um restaurante que queira promover-se para chegar ao W50B?
A promoção tem que ser feita pelo próprio restaurante, isto é uma coisa que todos têm que entender. Até agora, um restaurante esperava que os seus clientes chegassem, e não fazia nenhuma acção de promoção. Mas um cozinheiro ou um dono de restaurante que queira que a sua cozinha viaje e seja conhecida, tem que a dar a conhecer. Um congresso de cozinha, para que serve? Para que conheçam a tua cozinha, que assim pode ser vista por muita gente de uma vez. É muito importante participar nestas coisas. Tal como é muito importante ter uma página na Internet e estar envolvido nas redes sociais, que hoje chegam a todo o mundo.

A lista do W50B é totalmente diferente das outras que existem, e os que ficam entre os primeiros 50 ou 100 têm uma projecção enorme a nível mundial, porque esta é uma iniciativa com uma força mediática muito grande, que não é comparável à de nenhum outro evento. Vivi-o de perto, primeiro com Ferran [Adrià, do já encerrado elBulli] e, depois, com Joan Roca [um dos três irmão do El Celler de Can Roca, actual número dois na lista, que é liderada pelo Noma, de Copenhaga], e vi toda a promoção que isto lhes dá a nível mundial.

Eu continuo a achar que hoje a melhor cozinha do mundo é a dos Roca e que, se temos na Península Ibérica um restaurante que está em segundo lugar, é importante que o apoiemos, para que volte a ser primeiro, porque é o que tem mais possibilidade de o conseguir. 

É muito difícil para a maioria dos restaurantes portugueses conquistar esta visibilidade, porque isso implica trazer as pessoas até cá. O Vila Joya tem um festival gastronómico que lhe dá muita visibilidade, mas trata-se de um investimento muito caro, que a maioria não consegue fazer.
Para nós, em Espanha, a gastronomia tornou-se um motor do país. Mas isto não foi feito pelos políticos e sim pelos cozinheiros e por pessoas como eu e outros, que organizamos congressos e outros eventos. Aqui fazemos o congresso de San Sebastian, a feira Alimentária, em Barcelona, tudo isso é muito importante, e temos a sorte de os cozinheiros nos ajudarem a fazê-los. Mas saiu tudo da iniciativa privada. Depois, as instituições públicas aqui em Espanha foram-se dando conta da importância disto e começaram a ajudar-nos um pouco.

Era preciso conseguir-se fazer o mesmo em Portugal – estou a dizer isto, embora não saiba o que se faz actualmente no vosso país a este nível. Sei que há o Peixe em Lisboa e congressos de vinho em Lisboa e no Porto, e tudo isso é muito importante.

Hoje a gastronomia é um motor turístico importantíssimo para um país, as pessoas viajam para ir comer. Viajam, comem e compram produtos. O Governo de Portugal tem que ver que promovendo a gastronomia está a promover o país. É um caminho longo, mas que tem que se ir fazendo.

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